Livio Oricchio

Alonso deixar a Ferrari. Possível. Os desdobramentos seriam espetaculares.

Livio Oricchio

25/IX/14

São Paulo

Escrevi aqui que o clima entre Fernando Alonso e a direção da Ferrari tornou-se extremamente tenso nos dias do GP de Cingapura, no último fim de semana. E esse desgaste só tem crescido. O que parecia muito pouco provável até a corrida de Monza, dia 7, ou seja, a saída de Alonso da Ferrari já no fim do campeonato, hoje já não podemos dizer o mesmo.

E se isso acontecer os desdobramentos para a Fórmula 1 serão imensos. Pessoalmente acredito que depois de as duas partes compreenderem melhor as consequências de uma eventual ruptura, Alonso e Ferrari terão desprendimento suficiente para buscar um acordo. Sem que isso signifique, necessariamente, que haverá esse acordo. Explico melhor a seguir. Deixei para o fim a apresentação de um desfecho que está sendo costurado incrivelmente surpreendente. E ótimo para o espetáculo se der certo!

O que se passa entre o brilhante Alonso e a Ferrari, quais os motivos desse conflito que ganhou manchetes na mídia internacional?

Antes de qualquer coisa, amigos, só tomei a iniciativa de tratar do tema depois de obter maiores informações desse imbroglio. Conversei hoje, por telefone, com quatro amigos, dois pertencentes a equipes distintas da Fórmula 1, e que já trabalharam com Alonso, e dois jornalistas, ambos com muito trânsito no mundo da Ferrari.

O texto, agora, combina a minha percepção dos fatos com o resultado dessas conversas com profissionais da Fórmula 1, com certeza mais bem informados do que eu a esse respeito.

A história do conflito de Alonso começa com o fato de a Ferrari não produzir um carro capaz de lhe permitir lutar, de fato, pelo título, há quatro temporadas. Dia 29 de julho o asturiano completou 33 anos, o tempo está passando, e até agora só conquistou dois mundiais, em 2005 e 2006, ambos com a Renault. Ele é ávido por títulos.

Com a saída dos líderes da Ferrari, recentemente, Stefano Domenicali, diretor, e Luca di Montezemolo, presidente, Alonso perdeu parte de sua imensa força no grupo. O novo diretor, Marco Mattiacci, admira e respeita Alonso, bem como o novo presidente, Sergio Marchionne, mas é diferente da administração passada, em que tudo gravitava ao redor do espanhol. Os dois querem se impor na organização, precisam mostrar serem líderes.

Até antes dessa revolução nos homens que mandam na Ferrari, apesar da falta de resultados Alonso vinha demonstrando confiança na reestruturação na área técnica, iniciada por Domenicali. O coordenador dos projetos dos carros desde 2007, o grego Nikolas Tombazis, faz agora apenas parte do grupo de projetistas.

A responsabilidade maior é do inglês James Allison e o do sul-africano Dirck de Beer, egressos da Lotus. A Ferrari substituiu ainda o diretor da área da unidade motriz, Luca Marmorini, por Mattia Binotto, uma incógnita, mas ao menos alguém com ideias diferentes das de Marmorini. A unidade motriz deste ano é um dos pontos fracos do modelo F14T.

Falta comando forte

No momento, a Ferrari está meio acéfala. Contribui para isso o fato de Mattiacci não entender de Fórmula 1, assumidamente, ser um homem de marketing deslocado para liderar a Ferrari, com todos os imensos e complexos desafios. Os vários departamentos devem ter já entendido que o novo líder, ao menos até compreender melhor a Fórmula 1, está inseguro. Dá para perceber isso nas entrevistas de Mattiacci depois das corridas.

Alonso não sabe o que vem pela frente na Ferrari. Sua palavra não é mais a final. Sentiu isso nas conversas lideradas por Mattiacci para estender seu contrato por mais dois anos. O italiano está fazendo um planejamento de longo prazo para a equipe.

Exigências inaceitáveis

O problemas maiores emergiram exatamente nesse ponto. Mattiacci ficou chocado com as exigências de Alonso para assinar a extensão do contrato até o fim de 2018. Veja só o que o espanhol impõe:

1. Valor maior do contrato. Hoje é de algo como 24 milhões de euros (R$ 75 milhões) por ano. A Ferrari não fechou questão, aceita negociar, elevar um pouco o valor. Portanto, nesse ponto pode haver acordo.

2. Saber com antecedência quais as decisões do grupo técnico, o que os engenheiros e Mattiacci pensam em fazer. Alonso exige participar desse planejamento, ter poder de veto e indicar os caminhos. Isso representa um desrespeito ao setor técnico, liderado por Allison, e o próprio Mattiacci.

Ambos se sentiram atingidos com a exigência. É uma prova de o piloto não confiar neles. A Ferrari já respondeu não aceitar, ao menos nos termos do piloto. ''Precisamos ter coragem e tomar algumas decisões'', afirmou Mattiacci, a respeito do que deseja Alonso, como que dizendo ser possível perder o asturiano.

3. Agora o mais impressionante. Alonso quer poder anunciar, depois de cinco etapas, em 2015, o GP da Espanha, dia 10 de maio, que está deixando a Ferrari, no caso de ver que o novo projeto é outro fracasso. Essa é a imposição de Alonso que mais está pegando.

Os melhores não vão querer

A Ferrari teria de sair no mercado atrás de um substituto, de outro grande piloto, não tendo nada de muito bom para oferecer, já que o modelo de 2015 de novo não se mostrou competitivo. Sua estrutura técnica, apesar de renovada, não funcionou mais uma vez.

Pior: ficaria claro que a possibilidade de produzir um monoposto veloz o suficiente para lutar pelas vitórias demandaria tempo. Talvez não ainda em 2016. Assim, seria pouco provável que Lewis Hamilton e Sebastian Vettel, sonhos da Ferrari, aceitassem se transferir. Tudo no mundo da lógica, por favor, hein?

Mas estamos falando de Alonso poder sair já no fim deste ano, algo que bem poucos acreditavam ser possível, dentre eles eu, e, agora, se mostra com algo real. A possibilidade existe.

No caso de ruptura, como seria?

Em primeiro lugar, a Ferrari já informou Alonso que não aceita os seus termos para negociar a extensão do contrato. E lhe lembrou do seu compromisso até o fim de 2016. Segundo um desses meus amigos, profissional de uma publicação que também pertence ao grupo Fiat, dono da Ferrari, há, sim, uma alta multa rescisória para Alonso sair. E o valor estimado é de um ano de contrato, 24 milhões de euros.

Ron Dennis, sócio e diretor da McLaren, não esconde de ninguém que contatou Alonso, além de Hamilton e Vettel, para lhes oferecer seu carro em 2015. A McLaren se reestruturou, o líder na área de aerodinâmica, por exemplo, é Peter Prodromou, ex-Red Bull. Mais: sua parceira técnica é a poderosa Honda, com seu potencial tecnológico e a capacidade de investimento.

McLaren-Honda daria tudo e mais um pouco

Para Dennis e os japoneses pagarem os cerca de 24 milhões de euros da multa rescisória e outros 30 milhões de salário por ano para Alonso não seria nenhum problema. A dificuldade, aqui, é o espanhol aceitar o desafio de recomeçar seu trabalho numa equipe em fase de reestruturação também. E tudo o que se ouve no paddock da unidade motriz da Honda não é positivo. Muitos dizem haver um atraso no projeto.

Alonso sabe que muito dificilmente iniciaria a próxima temporada dispondo de equipamento para fazer o que já não aguenta mais não fazer, que é ver os adversários lutando pelas vitórias, e ele tendo de dar tudo de si e mais um pouco, ainda, para, com sorte, chegar ao pódio. Este ano, por exemplo, foram apenas duas vezes, terceiro na China e segundo na Hungria.

Obviamente Mattiacci e Marchionne não estão de braços cruzados esperando Alonso decidir o que quer fazer da vida. Estão muito ativos no mercado. O alvo não é difícil de descobrirmos, não? Ele mesmo, o tetracampeão do mundo Sebastian Vettel.

O alemão sairia da Red Bull para ir para a Ferrari no lugar de Alonso? Acredite, difícil, mas possível! Primeiro, o advento do fenômeno Daniel Ricciardo o está atingindo. Com o modelo RB10-Renault Vettel viu ser menos eficiente que o australiano.

Se o alemão em 2015 perder de novo a disputa para Ricciardo, sedimentará de vez a impressão de que o peso da supeficiência do carro da Red Bull nos últimos quatro anos, vencidos por ele, foi enorme. Em outras palavras, Vettel é um grande piloto, mas talvez menos do que seus números sugerem.

Assim, se houver a possibilidade de ir para a Ferrari, já em 2016, com certeza Vettel a analisará com carinho. Como deve estar fazendo. Nunca escondeu ser seu sonho profissional.

Vettel-Ferrari, acordo difícil

Há problemas para o negócio dar certo, na hipótese de Alonso sair da Ferrari. O maior é o contrato da Red Bull com a Infiniti, marca de carros de luxo. A importância de Vettel no acordo comercial é total. Rompê-lo não é como o caso de Alonso com a Ferrari, paga-se a multa e pronto.

Na relação da Red Bull com a Infiniti os desdobramentos podem ser outros, bem graves. A Infiniti é uma marca do grupo Nissan, que tem a Renault como sócia principal. Uma cisão entre as partes pode levar até mesmo os franceses a rever o compromisso com a Red Bull como fornecedores da unidade motriz, que em 2015 será bem diferente da atual, bastante inferior em relação a Mercedes.

Mas estamos no universo da Fórmula 1 e o que hoje parece quase impossível amanhã vemos as partes envolvidas apertando as mãos e desejando sorte um ao outro. As chances de Vettel sair da Red Bull, por conta desse contrato, são apenas pequenas, mas não impossíveis.

Quer saber qual a minha torcida? Adoraria que tudo isso desse certo: Alonso fosse para a McLaren-Honda e Vettel para a Ferrari. Já imaginou o interesse que haveria pelo próximo campeonato?

Mais dúvidas

Algumas perguntas estão no ar, claro. Vamos lá. Alonso não poderia ir para a Red Bull, em vez de a McLaren? Já que Vettel sairia de lá para ir para a Ferrari, por que não? A vaga para ser companheiro de Ricciardo está em aberto.

É outro arranjo possível, sim. Só não saberia responder se Helmut Marko e Christian Horner gostariam de ter Alonso e Ricciardo juntos. Seria ainda mais interessante para a Fórmula 1 se Alonso, no caso de deixar a Ferrari, passar a pilotar para a Red Bull. De qualquer forma, na McLaren ou na Red Bull, daria um alento novo à temporada de 2015 que, desde já, reúne elementos para ser mais disputada que a atual.

Calma, sei disso, temos mais perguntas sem resposta. Garanto que eu me tenho feito mais questões ainda. Estou animado com essa história toda e torcendo para Alonso sair e dar a largada a uma série de mudanças, todas saudáveis para a Fórmula 1.

Se Alonso deixar a Ferrari, for para a McLaren e Vettel permanecer na Red Bull, como fica? Quem será o companheiro de Kimi Raikkonen na Ferrari? Quem vocês acham que Mattiacci e Marchionne escolheriam já para 2015?

Os candidatos

Hamilton, sonho dos italianos também, tem contrato com a Mercedes até o fim de 2016. E não trocaria o certo pelo incerto. Muito pouco provável. O finlandês Valtteri Bottas acabou de renovar com a Williams-Mercedes. O alemão Nico Hulkenberg, da Force India?

No fim do ano passado, o seu empresário contou que todos, Ferrari e Hulkenberg, já haviam assinado o contrato para disputar esta temporada. Felipe Massa havia sido dispensado. Faltava apenas a assinatura de Montezemolo para o alemão ser o companheiro de Alonso. A história é essa mesmo, não se trata de um rumor.

Mas Alonso e Montezemolo brigaram. O espanhol criticou duramente, em público, a equipe, no GP da Hungria. O presidente da Ferrari não se conformou. Viu que Raikkonen estava em plena forma, na Lotus-Renault, e para atingir Alonso agradeceu Hulkenberg e contratou o finlandês. No fim de 2009, o mesmo Montezemolo pagou para Raikkonen ficar em casa, em 2010, a fim de contratar Alonso.

Afinal, Hulkenberg voltaria a ser contactado novamente, poderia ocupar a vaga de Alonso, agora? Tudo é possível, lógico, mas seria surpreendente se fosse o escolhido. Não disputa um grande campeonato. O companheiro de Force India, o mexicano Sergio Perez, tem se mostrado mais eficaz, em especial nas últimas corridas, apesar do número maior de pontos de Hulkenberg, 72 a 45.

Jules Bianchi, da academia da Ferrari, hoje na Marussia? Apesar de algumas boas apresentações, como em Mônaco, ao marcar os únicos pontos da história dos times superpequenos, iniciada em 2010, ao se classificar em nono, é pouco provável também. Outra hipótese é Romain Grosjean, autor de belo trabalho no ano passado, na Lotus. De novo, seria surpreendente.

O que sobra então? Uma alternativa interessante, ao menos para a próxima temporada: Jenson Button. Estaria liberado pela McLaren, custaria pouco, pois o inglês aceitaria os prováveis 6 milhões de euros ofertados, pouco mais da metade do que ganha na McLaren, e se trata de um campeão do mundo e potencialmente capaz de marcar muitos pontos em 2015. Button atenderia a vários dos interesses da Ferrari.

Decisão nas mãos de Alonso

Bem, para tudo isso fluir, poder ser negociado, todas as dificuldades serem superadas, se é que todas serão, penso ser difícil, é preciso que Alonso e a nova direção da Ferrari radicalizem e nenhum dos lados ceda nas suas imposições.

As próximas semanas prometem ser reveladoras para o mercado de pilotos versão já 2015. Como escrevi, eu vou gostar ainda mais de embarcar para cobrir os testes de pré-temporada com Vettel na Ferrari, Alonso na Red Bull, ou McLaren-Honda, por exemplo. Cruzemos os dedos para tudo dar certo. Como afirmei, é apenas difícil, mas não impossível. Abraços !