Livio Oricchio

Alonso, mais perdedor que vencedor

Livio Oricchio

04/X/14

São Paulo

Talvez eu esteja na contramão da maioria. Tenho lido nos sites de língua inglesa, italiana, francesa e principalmente espanhola que o grande vencedor dessa revolução dos últimos dias no arranjo entre pilotos e equipes da Fórmula 1 é Fernando Alonso. Pois penso exatamente o contrário.

Inicio minha argumentação com o instante desse piloto que, para mim, é o mais completo em atividade. Mas, apesar desse conceito quase unânime na própria Fórmula 1, a situação de Alonso não é de fazer imposições, senão a de ter de aceitar o que lhe está sendo oferecido.

Explico: Ron Dennis confirmou que a negociação com Alonso não está concluída. ''Claro, estamos conversando, estamos fazendo o que se espera que temos de fazer, mas no momento ainda não chegamos ao ponto de assinar o contrato''. Alonso disse o mesmo: ''Tudo caminha na direção certa, mas não está ainda tudo 100% certo''.

Falei por telefone com um amigo, jornalista inglês com vínculos com a França, como eu, capaz de falar diretamente com Dennis, e ouvi que o desfecho da história deverá ser esse, por causa do interesse recíproco, mas de fato não há ainda o preto no branco.

Insisto no tema por Alonso hoje não ter onde ir a não ser a McLaren. E Dennis sabe disso. Muito provavelmente quando começaram a falar sobre um eventual acordo, Dennis concordava com tudo que Alonso falava. Era a forma de convencê-lo a regressar a McLaren.

Mas o sócio e diretor da McLaren leu e ouviu, como todos, que Toto Wolff, também sócio e diretor da escuderia Mercedes, sequer considerou a hipótese de substituir Lewis Hamilton ou Nico Rosberg por Alonso. E da mesma forma ficou sabendo que Christian Horner, diretor da Red Bull, disse a mesma coisa com relação a oferecer ao asturiano a vaga de Sebastian Vettel, contratado pela Ferrari, embora ainda não anunciado.

Haja vista que de bate pronto Horner anunciou junto do seu consultor com poder de diretor, Helmut Marko, que o russo Daniil Kvyat, de 20 anos, hoje na Toro Rosso-Renault, será o companheiro de Daniel Ricciardo na Red Bull em 2015.

Portas fechadas

Nem todos sabem, mas o empresário de Alonso, Luis Garcia Abade, foi bater nas duas portas, Mercedes e Red Bull, nos últimos meses. E recebeu como resposta, algo do tipo ''Nesse momento não é possível, obrigado''.

Diante dessa ausência de opções, Alonso não está na condição de exigir muito. Hábil negociador também, desde os tempos de Ayrton Senna, Dennis deve ter mudado um pouco o seu discurso. Vai seguir oferecendo muito ao espanhol, mas provavelmente não de forma incondicional como deseja o piloto. A condição é agora outra.

Repare que é tudo bem diferente do que Alonso vem afirmando no autódromo de Suzuka. Veja só: ''Vamos dizer que minha posição é única. Graças a muitos anos de respeito ao trabalho que realizei nas pistas, eu decido onde ir, o que fazer e quando. Provavelmente essas coisas que estão acontecendo se relacionem a isso tudo''.

Alonso falou mais: ''Sou eu quem decido, o que for que faço tem consequências, mas estou numa condição privilegiada, a sorte está do meu lado. Eu posso correr mais ou menos onde desejar. Quando eu finalmente tomar minha decisão veremos do que se trata''.

A realidade é outra

Parece existir uma distância diametralmente oposta entre a realidade e o discurso de Alonso. Seu empresário não obteve êxito na Mercedes, na Red Bull e Alonso não está na Ferrari por Marco Mattiacci, diretor, e Sergio Marchionne, presidente, sequer fazerem uma contraproposta ao pedido quase agressivo do piloto para permanecer. Foram procurar direto Vettel e, para sua surpresa, o alemão se mostrou interessado de imediato.

Mattiacci e Marchionne simplesmente passaram a ignorar Alonso. É assim mesmo. Ao menos quanto à possibilidade de mantê-lo na Ferrari a partir de 2015.

Bem ao contrário do que afirma Alonso, não pode ir para onde desejar e quando quiser. Nesse instante, é aceitar o que Dennis está lhe oferecendo para regressar a McLaren, de onde saiu no fim de 2007, tendo ainda dois anos de contrato, depois de acusar a equipe de prejudicá-lo na luta com Lewis Hamilton, ou ficar em casa, tirar um ano sabático.

Também no fim da relação com a McLaren, em 2007, apesar de ter conquistado dois títulos há pouco, 2005 e 2006, pela Renault, Alonso não tinha para onde ir. E não foi por falta de se oferecer no mercado. Tentou todas as portas. Estavam fechadas, mesmo para o melhor piloto.

O que aconteceu? Alonso não teve outra opção em 2008 a não ser voltar para o time com quem havia sido campeão mas que se havia desestruturado, a ponto de ter terminado o campeonato de construtores de 2007 em terceiro, com 51 pontos, diante de 204 da Ferrari, a campeã, e 101 da BMW Sauber. Naquela época o vencedor das corridas somava 10 pontos e o oitavo, 1. Hoje o primeiro colocado recebe 25 e o décimo 1.

Ameaçou Ron Dennis

O inegável supertalento de Alonso não foi suficiente para lhe garantir uma vaga em outra equipe no fim de 2007 e 2008. A Ferrari ficou com o vice deste ano, Felipe Massa, e o campeão de 2007, Raikkonen. A McLaren era questão fechada. Alonso saiu pela porta dos fundos. No domingo do GP da Hungria, de 2007, Alonso entrou na sala de Dennis, no motorhome da escuderia, horas apenas antes da largada, e lhe ameaçou.

Alonso exigiu que Hamilton não mais tivesse acesso a seus dados de acerto do carro. E se Dennis não concordasse iria a FIA denunciar o que sabia da espionagem do diretor técnico da McLaren, Mike Coughlan, de posse de todos os desenhos do projeto da Ferrari. A história consta no relatório de investigação da FIA.

Dennis é rancoroso e apesar de este ano voltar a receber Alonso, por necessidade de um grande piloto, com certeza não esqueceu o comportamento do espanhol. A relação deverá ser estritamente profissional. E se os resultados não vierem podem ficar tensas. Alonso encontrará culpados e os tornará públicos. Obviamente é possível que o andamento dos trabalhos seja favorável a todos e nada disso aconteça.

O piloto teve comportamento execrável, também, no episódio do GP de Cingapura de 2008. Nelsinho Piquet provocou um acidente para a entrada do safety car a fim de que Alonso vencesse a prova. Tudo planejado com antecedência e a sua completa participação.

No fim, fez parte do acordo da Renault com a FIA deixar claro a ''inocência'' de Alonso no episódio. Nelsinho recebeu a delação premiada. Flavio Briatore, diretor geral da escuderia, e Pat Symonds, diretor técnico, foram suspensos originalmente por cinco anos.

Andar para trás

Voltando, agora, para 2014. O que Alonso ganha em trocar a Ferrari pela McLaren? Os italianos reestruturaram a equipe, também por orientação do espanhol, contratou profissionais de comprovada capacidade. A possibilidade de dispor de um carro bem mais eficiente que o atual, em 2015, são elevadas.

Já a McLaren disputa a pior temporada dentre os times com a unidade motriz Mercedes. Aliás, a pior de sua história recente. Soma 111 pontos, sexta colocada, diante de 117 da Force India, quinta, 187 da Williams, terceira, e 479 da própria Mercedes. Existe na McLaren um atraso significativo na área de chassi. A diferença que deverá tirar dos adversários é enorme.

E a Honda, segundo todas as fontes da Fórmula 1, está com o seu programa de desenvolvimento da unidade motriz atrasada. E irá enfrentar Mercedes, Renault e Ferrari que já têm um campeonato de experiência com o novo e complexo regulamento da Fórmula 1.

As chances de a McLaren-Honda começar a próxima temporada no mesmo nível de Mercedes, Red Bull e Williams, por exemplo, as melhores este ano, são bastante reduzidas, mínimas.

É isso o que Alonso irá dispor ao menos no início do seu trabalho na McLaren-Honda. Para quem sonha em ser mais vezes campeão, significa provavelmente ter de adiar um pouco seus planos. Quem sabe a partir de 2016, quando fará 35 anos. Ninguém questiona a competência de Alonso, dos homens da McLaren, agora renovada, de novo sob a liderança de Dennis, e dos engenheiros japoneses. Mas a história mostra que é preciso dar tempo ao tempo.

Inteligente na pista

Para concluir nossa conversa, gostaria de deixar claro ser fã de Alonso como piloto, comparo-o aos maiores de todos os tempos. Vou a todas as suas entrevistas nos autódromos e várias vezes o entrevistei sozinho. Sempre fui muito profissional comigo. Diria até mesmo um pouco mais atencioso do normal. Talvez por falar a sua língua. Como amante da Fórmula 1, acompanhar de perto o trabalho de Alonso representa um imenso prazer. Ponto.

Mas se observarmos sua trajetória na Fórmula 1, como no período em que mesmo já sendo o melhor do grid, 2008 e 2009, e teve de competir com um time médio de então, a Renault, a única opção de agora, a McLaren-Honda em fase de remontagem, não significa algo muito distinto. E Alonso segue sendo o melhor.

Talento por talento teria condições de já ter sido mais vezes campeão do mundo. Sua personalidade complexa, obsessiva, contudo, nem sempre expressando fora das pistas a mesma inteligência evidenciada dentro do cockpit, o faz ter de aceitar o que existe se desejar competindo na Fórmula 1, como agora.

Tudo em completa desarmonia ao que tanto apregoa.