Livio Oricchio

Amanhã começa uma nova era do automobilismo: a dos carros elétricos

Livio Oricchio

12/IX/14

Nice, França

Olá amigos!

Produzi a reportagem a seguir sobre a Fórmula E há alguns dias. Desculpe disponibilizá-la apenas hoje. São três textos. Todos aqui, um na sequência do outro. No primeiro apresento a competição, no segundo retrato a conversa com os três pilotos brasileiros, Nelsinho Piquet, Bruno Senna e Lucas Di Grassi, e no último há informações sobre o carro. É um projeto novo e bem planejado. Pode dar certo. Torço por isso!

A categoria

Amanhã, nas ruas de Pequim, o automobilismo celebra o início de uma nova era das competições de automóvel: será disputada a etapa de abertura da Fórmula E, o primeiro campeonato mundial de velocidade para carros elétricos. Três brasileiros participam: Nelsinho Piquet, pela equipe China Racing, Bruno Senna, Mahindra, e Lucas Di Grassi, Audi Sport.

O objetivo principal da categoria de monopostos elétricos é servir de laboratório para o desenvolvimento de tecnologia a fim de, no futuro, ser repassada aos veículos elétricos produzidos pela indústria automobilística.

''O mundo está mudando e nós, como bandeira do esporte a motor, temos grande responsabilidade em nos manter em sintonia com essas transformações. A associação entre mobilidade diária e as corridas é muito importante'', diz o presidente da FIA, Jean Todt.

O promotor do evento, o espanhol Alejandro Agag, da Formula E Holding, acrescenta: '' Hoje, 75 milhões de veículos são vendidos por ano no mundo todo e somente 1% é movido por formas distintas de energia, como a elétrica. É menos de 1 milhão de carros. Acredito que podemos ter um papel importante em promover o uso dos automóveis elétricos nas cidades''.

Agag falou, ainda: ''Esperamos que esse campeonato se torne a base para o desenvolvimento de pesquisa para o carro elétrico, peça-chave para o futuro de nossas cidades''.

As dez etapas da Fórmula E serão em circuitos de 2,5 a 3 quilômetros de extensão montados em cidades, como Pequim, Londres, Miami, Mônaco, Buenos Aires, dentre outras, como parte da estratégia de chamar a atenção para a importância de se pensar nos veículos elétricos como uma alternativa viável para a mobilidade.

No primeiro ano a Fórmula E terá dez equipes e 20 pilotos, nada menos de 11 deles com passagem pela F1. As equipes vêm de várias nações, o que atesta o interesse inicial despertado pela competição.

A EDAMS, de Nicolas Prost, filho de Alain Prost, é francesa, a Audi Sport ABT, alemã, a Andretti, norte-americana, a China Racing, a Trulli, Itália, Virgin, Britânica, Mahindra, Índia, dentre outras.

Chassi, motor elétrico, baterias e pneus serão fornecidos pelo promotor, mas a partir do segundo ano cada time poderá desenvolver sua tecnologia.

''O objetivo é atrair mais montadoras de automóveis para a competição'', diz Lucas Di Grassi, responsável pelos testes de desenvolvimento do carro da Fórmula E.

Na realidade, já no seu primeiro ano a competição atraiu empresas de grande porte, interessadas em aprender com o evento. Di Grassi corre pelo escuderia da Audi. A Renault Sports Technologies é a responsável pelo integração de todos os sistemas do carro.

O respeito à sustentabilidade se estende para além do uso do carro elétrico, diz Di Grassi. O promotor explica: ''Nós só recarregamos as baterias através de fontes renováveis de energia'', diz Agag.

A gerente de sustentabilidade da Fórmula E, Julia Pallé, explica que a empresa Aquafuel fornecerá geradores que utilizam glicerina como combustível, um subproduto do diesel produzido com algas do mar. Agag complementa: ''É uma tecnologia nova, com baixíssimo nível de emissão, fumaça e barulho. Nosso objetivo é ser a primeira atividade de esporte a motor a atingir a neutralidade na emissão de carbono''.
A programação das etapas da Fórmula E também foi pensada no sentido de respeitar a população que reside nas cidades do calendário. ''Tudo se resume a um dia de competição, o sábado'', comenta Todt. ''No dia anterior a cidade segue a sua rotina e no seguinte ao da prova só resta a memória.''

Além da não emissão de gases, a Fórmula E é silenciosa. ''Não haverá poluição sonora'', garante o promotor. ''O ruído é bastante particular. É um motor elétrico. O ruído que você vai ouvir é o do vento provocado pelo deslocamento do carro'', explica Bruno Senna. Agag define o som como ''futurista''.

Um carro normal gera 70 decibéis de ruído. Um ônibus, 90. A Fórmula 1 deste ano, 130. A Fórmula E, 80 db.

Nelsinho Piquet lembra que os pilotos e as equipes têm ainda muito a aprender. A Fórmula E realizou cinco testes coletivos e duas simulações de corrida. ''A prova tem cerca de uma hora e como a bateria te dá uma autonomia de 25 a 30 minutos, precisamos parar nos boxes e trocar de carro durante a corrida, nas simulações obviamente não aprendemos tudo'', falou Nelsinho.

Outro piloto de língua portuguesa é Antonio Felix da Costa, da equipe Amlin. Ele dá mais detalhes de como serão as corridas: ''Um grande desafio. O que nos é exigido é bem mais que apenas pilotar. Teremos de recuperar energia durante as voltas. Descobrir onde recuperar e o melhor momento de usar representam um aprendizado para todos.''

Para o presidente da FIA não há dúvida: ''A Fórmula E é um grande salto na história do esporte a motor e no desenvolvimento de novas tecnologias''. E dentre os avanços da competição Agag destaca a proximidade com o que define como ''geração IPhone''.

Explica: ''Estamos integrando mídias sociais e esporte a motor de maneira nunca tentada antes. A Fórmula E é uma fusão entre videogame e corrida real. Os fãs poderão votar nos seus pilotos favoritos e, com isso, potencialmente influenciar o desenvolvimento das corridas''.

Os três pilotos mais votados através do site da competição (www.fanboost.fiaformulae.com) terão o direito de usar por 5 segundos uma porcentagem extra de potência na corrida, de 202,5 para 243 cavalos. ''Desejamos fazer com que o jovem que hoje vive com o IPhone na mão se interesse por nosso evento'', diz Agag.
Segundo texto – Os pilotos falam da Fórmula E

Lucas Di Grassi foi contratado para ser o responsável pelo trabalho de desenvolver o carro produzido pela Dallara, McLaren, Williams e Renault para a Fórmula E. Ele acredita no futuro da categoria. ''Foi concebida para atender os requisitos modernos do esporte a motor'', afirma, em entrevista ao UOL Esporte.

''Le Mans serviu para o desenvolvimento dos motores de combustão interna, os motores diesel, os turbocomprimidos e agora a Fórmula E será a responsável pelo carro elétrico'', diz o piloto. Do ponto de vista promocional, os promotores assinaram contrato com a Fox Sport para levar o campeonato a mais de 80 países.

A qualidade da competição pode ser medida pelo nível dos pilotos que se interessaram em disputá-la, lembra Di Grassi. Além dele, Nelsinho Piquet e Bruno Senna, a Fórmula E terá Jarno Trulli, Sebastien Buemi, Nick Heidfeld, por exemplo, além de duas mulheres, a italiana Michela Cerruti, do time de Trulli, e a britânica Katherine Legge, da Amlin.

O critério de pontuação é o da F1. A diferença está nos 3 pontos distribuído ao pole position e 2 pontos ao piloto que fizer a melhor volta na corrida.

O desafio para os pilotos será grande. Toda a programação se resume ao sábado. Pela manhã terão um treino livre de 45 minutos e depois uma segunda sessão, de 30 minutos. Esse é o espaço de tempo que vão dispor para aprender o circuito e acertar o carro. Nos dois treinos será permitido usar os dois carros que cada piloto tem, e sem restrição de potência, podendo ser a máxima, cerca de 270 cavalos.

No mesmo período da manhã disputam ainda a classificação. São quatro grupos de cinco carros cada por 10 minutos na pista. Também sem limite de potência. Na sequência do programa há uma pausa. As baterias precisam ser recarregadas por duas horas. A corrida é no fim da tarde, com duração aproximada de pouco menos de uma hora.

Além de os pilotos terem de administrar a potência e saber usar os dois sistemas de recuperação de energia, bem menos eficientes que na F1, há restrição de potência na corrida, 202,5 cavalos diante de 270 na classificação. É obrigatório um pit stop para trocar de carro por a autonomia da bateria ser de apenas meia hora, em média.

''Você dispõe de um total de energia e tem de estudar como melhor aproveitá-lo. Não dá para exigir tudo do carro o tempo todo'', explica Bruno Senna, em entrevista ao UOL Esporte. ''Há no painel uma indicação que te avisa se você gastou mais ou ficou abaixo do que poderia. Mas a atualização é uma vez por volta, portanto enquanto você está na volta você não sabe se está acima ou abaixo.''

O português Felix da Costa, da Amlin, comentou ter compreendido nos testes que será fundamental manter a temperatura da bateria na faixa ideal, caso contrário se perde muita potência. ''Você pode dar uma supervolta, mas a temperatura sobe e na seguinte você vai estar lento. É uma solução de compromisso.''

Todos esses fatores fizeram Nelsinho Piquet entender que o conhecimento adquirido até agora, na sua carreira, é importante, mas a Fórmula E abre um novo universo, por tem muita coisa nova.

''Você vai pilotar junto com o seu engenheiro. As decisões do que fazer serão tomadas em grupo, diante da complexidade. Não será possível para o piloto fazer contas com uma calculadora enquanto pilota, daí a importância do time'', explica ao UOL Esporte.

O piloto acredita que algumas equipes vão encontrar formas de fazer a bateria ganhar maior longevidade, sem comprometer a potência. ''Nos treinos me pareceu que o pessoal da EDAMS, com o apoio da Renault, encontrou alguma coisa a mais de performance.'' Na EDAMS correm Buemi e Nicolas Prost, filho do quatro vezes campeão do mundo, Alain Prost.

Por conta desses sobrenomes já citados, Piquet, Senna, Prost, a Fórmula E apresenta entre os seus atrativos uma batalha entre representantes da segunda geração de grandes campeões do passado. E a pergunta que será respondida é se a rivalidade de seus pais, tios, vai ser transferida para a atualidade.

Nelsinho (Piquet) duela com Bruno (Senna) e com Nicolas (Prost). Bruno (Senna) duela com Nicolas (Prost), dentre outros arranjos. ''São rivalidades do passado. Eu me dou bem, por exemplo, com o Nelsinho. Se lá atrás meu tio e o pai dele não se entendiam não quer dizer que eu o Nelsinho temos de seguir aquela discussão'', afirma Bruno.

O que os três brasileiros destacam na conversa com o UOL Esporte é a solidez financeira da Fórmula E. ''A FIA só aceitou participar do projeto depois de entender que os promotores tinham estrutura econômica para sustentar a categoria por pelo menos três anos'', afirma Di Grassi.

Como Di Grassi, Bruno confia no evento: ''A categoria tem futuro. Há uma grande preocupação em conter custos. São quatro carros para dois pilotos e dez etapas no mundo todo''. A FIA está atenta a evitar uma disputa financeira e limitou, por exemplo, cada equipe a 12 integrantes, que cada uma escolhe como desejar entre mecânicos e engenheiros.

''Se vai durar três ou dez anos não dá para saber, mas a Fórmula E é uma categoria muito bem estruturada e planejada em detalhes. Acredito que tem chance de atrair as montadoras e crescer rápido'', afirma Nelsinho.

Terceiro texto – O carro da Fórmula E

O modelo SRT 01E da Fórmula E tem o chassi construído pela italiana Dallara, líder no mercado mundial na produção de monopostos, sob orientação dos promotores da Fórmula E, que desejavam facilidades de ultrapassagem e baixo custo operacional. O chassi tem de passar por todos os testes de resistência da FIA.

Em condição de potência máxima, usada na classificação, o carro acelera de 0 a 100 km/h em 3 segundos, apenas. Sua velocidade final é de 225 km/h.

No link http://www.fiaformulae.com/en/video.aspx é possível vê-lo e ouvi-lo nos testes. O som é bastante característico, uma mistura do barulho gerado pelo motor e o sistema de recuperação de energia desenvolvido pela McLaren Electronics System, e os atritos internos do conjunto, alimentado pelas baterias fornecidas pela Williams Advanced Engineering. Mas o som produzido pelo vento parece ser único também.

A McLaren Eletronics Systems fornece o motor elétrico e toda a eletrônica do conjunto. O motor responde com um máximo de 200 Kw de potência, ou 270 cavalos.

A Spark Racing Technologies, do conceituado francês Frederic Vasseur, administra toda a complexa área técnica. A Spark conta com o trabalho fundamental da Renault Sport Technologies e a Renault Sport F1 para integrar tudo, chassi, motor elétrico, sistema de recuperação de energia e baterias.

O carro pesa 880 quilos, sendo 310 só das duas baterias de litium. Pastilhas e disco do freio são confeccionadas em fibra de carbono.

Os pneus são da marca Michelin, de 18 polegadas, concebidos tanto para corridas no asfalto seco quanto na chuva. A não ser no caso de dano, não é permitida sua substituição na corrida. Cada equipe tem direito a três jogos de pneus por etapa, ou seja, um jogo e meio por piloto, a ser administrado como desejar entre treinos livres, classificação e corrida.