Depois do vídeo, o raio X do acidente de Bianchi
Livio Oricchio
06/X/14
São Paulo
Olá amigos !
Vi, agora, várias vezes, o vídeo do acidente de Jules Bianchi ontem, na 42.ª volta do GP do Japão, no Circuito de Suzuka. E, obviamente, acredito que como você sinto-me bastante atingido. Como escrevi no texto anterior, mantinha conversas regulares com Bianchi.
O vídeo ajuda a entender melhor como foi o acidente e as razões de o jovem piloto da Marussia estar em estado crítico, porém estável, no Mie General Hospital de Suzuka, após cirurgia na cabeça. O tipo de intervenção médica não foi especificado, o que também seria um elemento para compreendermos mais sobre sua real condição orgânica.
Vou começar pelo que senti dos comentários no blog ser o mais polêmico, o uso das bandeiras pelos comissários do posto 12 do circuito, localizado na área de escape da curva 7, local do acidente.
Senhores, as bandeiras de fato importantes não são as que aparecem no vídeo. Essas são as do ponto do acidente. As que têm relevância no caso são as expostas pelos comissários no posto 11, anterior às do posto 12, e que não aparecem no vídeo.
Quando o piloto se aproxima do posto 11, anterior à curva 7, ele deve ser informado que, ADIANTE, no traçado, há uma condição de risco. Se for séria, os comissários agitam duas bandeiras amarelas. O piloto deve, necessariamente, reduzir de forma significativa a aceleração.
Essas são as bandeiras fundamentais no caso do acidente de Bianchi. E delas não temos, ao menos nesse vídeo, as imagens. Elas serviriam para alertar do perigo à frente. No posto 12, os comissários agitam duas bandeiras amarelas também, sinalizando a operação do trator para a retirada da Sauber de Adrian Sutil.
E, depois do impacto da Marussia com o trator, passam a expor a bandeira verde. Mas repare que o trator continua na área de escape, entre a caixa de brita e a barreira de pneus. Outro carro poderia atingi-lo. O trator não estava atrás do guardrail, onde deve permanecer durante a corrida.
A bandeira verde do posto 12 depois do acidente de Bianchi informa que à frente não há nada de diferente na pista. Mas no ponto do posto 12 ainda havia um carro de serviço na frente da barreira de pneus, o que exigiria a manutenção das bandeiras amarelas. Poderiam não ser agitadas.
Os comissários vão substituir a bandeira verde pelas amarelas quando recebem, via rádio, a informação de que o safety car foi liberado. Junto das bandeiras amarelas agitadas expõem a placa SC de safety car.
Em resumo, amigo, precisaríamos saber quais as bandeiras do posto 11, anterior ao local do acidente de Sutil. Precisamos entender se Bianchi foi informado de que à frente, na curva 7, havia algo não normal na pista, não importa se no asfalto ou na área de escape.
No posto 12, o do acidente, o que devemos questionar é por qual razão os comissários deixaram de expor a bandeira amarela, como faziam, para agitar a verde, sendo que o trator ainda estava em frente aos pneus e não atrás do guardrail.
Importante: isso não tem relevância maior com relação ao acidente de Bianchi. Não foi esse procedimento, não correspondente ao padrão, que causou a quase tragédia com o piloto da Marussia.
Insisto: as bandeiras fundamentais são as do posto 11, anterior ao local onde Sutil deixou a pista, por aquaplanar, e o mesmo ocorrer com Bianchi. Ambos estava com os pneus intermediários da Pirelli, como quase todos, e naquele momento a chuva aumentou.
Agora o acidente. É assustador. O trator, como todo trator, tem de ser alto. Pois a Marussia de Bianchi passou sob a porção traseira do trator. Segundo a telemetria da equipe, o choque se deu a 203 km/h, praticamente o mesmo estimado por nós no texto de ontem, entre 190 e 200 km/h.
Se Bianchi fosse um pouco mais alto as chances de ter morrido na hora do impacto seriam muito maiores. O francês mede 1,79 m. Dá para entendermos que o que o atingiu foi parte inferior da espécie de ''para-choque'' do trator, pois a Marussia passou em baixo dela. A porção superior do capacete foi quem recebeu o impacto.
No milésimo de segundo seguinte a mesma peça metálica do trator serviu para cortar o santantônio do carro, que se deslocava em alta velocidade. O santantônio, claro, é mais alto que a parte mais alta do capacete do piloto.
E aqui entra outro fator que provavelmente corroborou para a extensão dos danos físicos ao piloto. O corpo de Bianchi desacelerou de 200 km/h para a estagnação em três ou quatro metros, pelo que podemos ver no vídeo, e numa fração de segundo. A desaceleração foi violenta. O que freou o carro foi o santantônio, apesar de arrancado.
O tórax e o abdômen do piloto estão presos pelo cinto de segurança de seis pontos. A cabeça, não. O sistema de capacete Hans foi criado exatamente para evitar que em desacelerações no eixo longitudinal do carro, frente-traseira, o pescoço ''dobre'' abruptamente para a frente.
Nesses casos a possibilidade de uma lesão óssea das vértebras cervicais é bastante elevada, com possíveis desdobramentos neurológicos graves.
Precisamos saber o quanto o Hans de Bianchi reduziu os sérios efeitos indesejáveis da alta desaceleração sofrida no sentido longitudinal do deslocamento. É um fator a se considerar nesse acidente, embora o que mais tenha provocado a lesão que o levou à perda de consciência imediata e aos danos no crânio e cérebro tenha sido o impacto na parte baixa do ''para-choque'' traseiro do trator.
Deu para ver pelas imagens, também, que os responsáveis pelo resgate da Sauber, a fim de levá-la para trás do guardrail, sabiam o que faziam. Eram comissários treinados. A corda na frente do carro, a fim de poder ser puxada, como fazia um deles, e evitar de a traseira, muito mais pesada, fazer o carro assumir a posição vertical, é uma demonstração de consciência do que realizavam. Questionável é a demora em toda operação.
O que podemos entender do acidente de Bianchi?
Primeiro, muito provavelmente seu carro aquaplanou, como com Sutil, momentos antes. Bianchi contornou a curva 6 e na entrada da 7 sua Marussia praticamente seguiu reto, a cerca de 220 km/h.
A falta total de aderência decorreu do fato de Bianchi, como quase todos os pilotos, estar com pneus intermediários no instante em que havia volume maior de água no asfalto, provocado pelo aumento da chuva.
A cortina de água levantada pelos carros tornou-se bem mais evidente nessa hora, 42.ª volta de um total previsto de 53. O acidente de Sutil reforçou a impressão de a pista estar bem mais escorregadia.
Felipe Massa começou a gritar no rádio que estava perigoso. Em especial num circuito como Suzuka, com várias curvas rápidas e reduzida área de escape em boa parte delas.
Charlie Whiting, diretor de prova, deveria ter liberado o safety car por causa do acidente de Sutil? Alguns pilotos já haviam começado a trocar os pneus, como Button, McLaren, na mesma volta do acidente de Sutil, a 42.ª. Substituiu os intermediários pelos de chuva intensa.
E a direção de prova também ouviu o líder da corrida, Lewis Hamilton, Mercedes, afirmar no rádio que para ele a situação não estava crítica, poderia seguir na pista com os pneus intermediários. O inglês e vencedor seguiu com eles até ver a bandeira vermelha no fim da 44.ª volta, encerrando a prova.
Não me parece o caso de que Whiting deveria ordenar a entrada no safety car na 42.ª volta por causa do aumento da chuva. Havia indícios de que não estava crítico, atestado pela opção da maioria de continuar correndo com os intermediários. E vale lembrar que a opção de substituir os pneus é do piloto e da equipe, estavam livres para decidir o que consideravam melhor para si.
O acidente sério de Bianchi deixa lições não nesse sentido, da entrada ou não so safety car, na minha visão, mas na maneira como os carros que abandonam a corrida são retirados da pista. Se as bandeiras amarelas estavam expostas no posto 11, anterior ao local do acidente, também não há o que contestar.
A FIA ser mais exigente, impondo até mesmo sanções mais severas aos pilotos que comprovadamente não desacelerarem quando duas bandeiras amarelas são expostas, é outra medida que reduzirá os risco de acidentes dessa natureza.
No episódio de Suzuka, o que causou a saída de pista não foi o fato de Bianchi não reduzir a velocidade, não sabemos, ao menos hoje, se ele reduziu, mas a aquaplanagem por não estar com os meus mais indicados para aquela situação. Insisto, o que não altera a necessidade de a FIA ser mais rigorosa com relação ao respeito às bandeiras amarelas agitadas.
Outras medidas devem ser tomadas no sentido de os veículos de serviço agirem o mais rápido possível. E na minha visão não podem permitir que no caso de um choque com eles, pouco provável mas não impossível, como vimos, as consequências serem as mesmas de Suzuka.
O impacto contra o trator assustadoramente arrancou o santantônio da Marussia de Bianchi. Repensar a metodologia de ação dos carros de serviço e até mesmo sua área externa, sem arestas, superfícies pontiagudas, ''para-choques'' alto, por exemplo, seria agir em favor da segurança.
Torçamos juntos, amigos, para que Bianchi saia dessa e, se possível, volte a competir na Fórmula 1.