Max, 16 anos, na F1. Há mais contras que prós.
Livio Oricchio
19/VIII/14
Nice, França
Na calada da noite. Assim poderíamos definir o momento do anúncio do holandês Max Verstappen, ontem, como o companheiro do russo Daniil Kvyat na Toro Rosso-Renault, em 2015.
Por volta das 20h30, meu horário aqui em Nice, ontem, verifiquei meus e-mails, acessei o site da revista Autosport inglesa, a fim de checar se havia alguma novidade, como de hábito, e, em seguida, desliguei o laptop. Fui ler o material de astrofísica que havia adquirido na Itália, domingo.
Hoje de manhã abro o UOL Esporte F1 e, para minha surpresa, lá encontro o texto sobre a decisão de Helmut Marko, o responsável pelo programa de jovens pilotos da Red Bull, anunciar Max Verstappen como o substituto do francês Jean Eric Vergne, em 2015, restando, ainda, oito etapas para o encerramento do campeonato.
Apesar de estar na Europa, a notícia chegou no Brasil antes de eu poder acessá-la. É um bom ensinamento. Precisamos rever nossos critérios de vigília. Poderia ter sido algo de relevância muito maior e eu me dar conta apenas no dia seguinte, o que para um profissional de imprensa representa um desastre, em especial nos dias de hoje, com a alucinante penetração das mídias sociais.
Quase todo cidadão no mundo está plugado, atualmente, em tempo integral.
Dia 13, a Red Bull anunciou que Max entrou para sua academia de jovens talentos. Sabia que o pai, o ex-piloto de Fórmula 1, Jos Verstappen, negociava também com a Mercedes. Max e Jos já circulam com desenvoltura pelo paddock nas provas de Fórmula 1.
Seis dias, apenas, depois de Max entrar para a academia Red Bull a empresa comunica que, aos 16 anos, assinou contrato para estrear na Fórmula 1 no ano que vem. Vai completar 17 anos dia 30 de setembro. E será com essa idade que alinhará o carro da Toro Rosso-Renault no grid do GP da Austrália de 2015, na abertura do Mundial.
Tudo no mundo está mesmo se tornando mais precoce. Emerson Fittipaldi foi para a Europa, em 1969, com 23 anos, para, a princípio, disputar a Fórmula Ford 1600. E era considerado muito jovem, ainda. Pois agora, 45 anos depois, basta ter 16 para assinar contrato a fim de ser titular numa equipe de Fórmula 1.
Toda a experiência que Max acumulou com carros de corrida, até hoje, se resume as 27 provas, nove etapas, de Fórmula 3 que disputou este ano no Campeonato Europeu. Restam duas etapas, seis corridas, em Ímola, na Itália, depois Hockenheim, Alemanha.
Para ser bem objetivo: as chances de não dar certo, ou seja, Max não apresentar o seu real potencial são maiores do que assistirmos ao nascimento de outro supercampeão, o que seria ótimo para a Fórmula 1. Mas é um risco. Max terá de ser excepcional de verdade para começar competindo já num bom nível de velocidade e, principalmente, constância.
Jos Verstappen, pai de Max, teve trajetória semelhante. Foi campeão no kart, como Max, e no primeiro ano com automóveis, 1991, tornou-se campeão europeu de Fórmula Opel, para em 1993 vencer o Campeonato Alemão de Fórmula 3.
Estreou na Fórmula 1 com 22 anos, em 1994, no lugar do titular na Benetton-Ford, Jirki Jarvilehto, acidentado na pré-temporada, e nunca correspondeu às expectativas criadas com o início de carreira arrasador.
Eu vi Max correr apenas pela TV. Na sala de imprensa, nos dias dos GPs de Fórmula 1, sento sempre ao lado de dois amigos, o italiano Roberto Chinchero, da Autosprint, e o português Luis Vasconcelos, freelance de várias publicações internacionais.
Chinchero é um especialista em categorias de formação de pilotos, como a Fórmula 3 Europeia. Ele me recomendou assistir a suas provas e prestar atenção em dois pilotos, especialmente, o francês Steban Ocon, hoje líder do campeonato, com 402 pontos, e Max, vice, 325. Os dois são estreantes na Fórmula 3 e já dominam a temporada. Ocon vai completar 18 anos dia 17 de setembro.
Ocon largou 6 vezes na pole position. Max, 5. O francês venceu 8 provas, Max também. Em número de pódios a luta está assim: 19 para Ocon e 13 para Max.
Vi na TV uma das três vitórias de Max em Norisring, na Alemanha, bem como uma das três de Ocon no circuito de Moscou. O que dá para afirmar, mesmo sem acompanhar de perto a trajetória de ambos, é a agressividade da pilotagem, o arrojo. Chamou a atenção.
Agora Max vai saltar de um carro equipado com motor de 240 cavalos, na Fórmula 3, aproximadamente, para um de 720, na Fórmula 1, e dotado de uma série de recursos que exige elevada interatividade para melhor explorar o seu potencial.
A escolha de Helmut Marko para dois de seus jovens pilotos mais talentosos é audaciosa. Para o ex-piloto de Fórmula 1, de 70 anos, e hoje homem-forte da Red Bull, a GP2 parece significar nada. Daniel Ricciardo, a grata surpresa da Fórmula 1 este ano, escolhido por Marko, seguiu direto da Fórmula Renault 3.5 para a Fórmula 1.
Kvyat, que estreou na Fórmula 1 este ano, pela Toro Rosso, com 19 anos, foi campeão da GP3 em 2013 e nesta temporada já compete na Fórmula 1. Agora, com Max, Marko foi além, ao fazer com que um adolescente chegue à Fórmula 1 com 17 anos e tendo no currículo 33 corridas de carro, as 27 já disputadas e as seis que restam do Europeu de Fórmula 3.
O histórico das apostas de Marko impressiona. É preciso reconhecer que, apesar do risco, sua sensibilidade para reconhecer pilotos bem jovens potencialmente capazes é admirável. Revelou Vettel e Ricciardo, duas realidades, e uma promessa, Kvyat.
Se considerarmos a extensão da lista dos pilotos que Marko experimentou na Toro Rosso, o laboratório da Red Bull, e dela saíram Vettel, Ricciardo e Kvyat, chegaremos à conclusão que a porcentagem de êxito é bastante elevada.
Nem foram tantos os que não corresponderam: o italiano Vitantonio Liuzzi, o norte-americano Scott Speed, o francês Sebastian Bourdais, o suíço Sebastien Buemi, o espanhol Jaime Alguersuari, e agora o francês Jean Eric Vergne.
Uma observação: apesar da torcida para que a Fórmula 1 ganhe outro superastro, como Ricciardo, este ano, no caso de Max creio que a própria FIA deveria exigir algo mais para emitir a superlicença e permiti-lo estrear no GP da Austrália do ano que vem.
Max tem 16 anos, ainda, estará com 17 em 2015, e, principalmente, quase nenhuma bagagem de corrida com os carros de 720 cavalos da Fórmula 1. Uma coisa é realizar seis dias de testes na pré-temporada com o modelo que vai usar no começo do campeonato. Outra é disputar uma sessão de classificação e, em especial, largadas, freadas, defesa de posição, tentativa de ultrapassagem ao longo dos 305 quilômetros de um GP.
Sua total falta de contato com essa realidade, complexíssima e exigente de tempo para se habituar, expõe, desde já, Max a chances maiores de se acidentar. Além de reduzir a segurança dos demais também. Pode não acontecer nada, e essa é a torcida, e Max surpreender a todos.
Mas, como foi mencionado, precisaríamos estar diante de um gênio. E gênio a natureza produz raríssimos. A FIA sabe disso. Por essa razão, deveria tornar a emissão da superlicença algo um pouco mais sério. Não só, primeiro, por motivos de segurança, mas pensando, também, em valorizar um pouco mais a própria instituição Fórmula 1.