GP da Alemanha. Diário de Bordo. Capítulo 1.
Livio Oricchio
18/VII/14
Heidelberg, Alemanha
Olá amigos, escrevo do meu hotel, aqui em Heidelberg, linda cidade universitária no Sul da Alemanha, com um centro histórico medieval dentre os mais conservados da Europa.
De Frankfurt para cá são cerca de 80 quilômetros pela autoestrada 5. Não há limite de velocidade, a não ser nas áreas de aproximação das cidades, em que estabelecem 120 km/h.
As rodovias alemãs exigem outra postura dos motoristas por causa de ser comum você ser ultrapassado por modelos da Porsche, Mercedes, Audi, BMW, por exemplo, deslocando-se a mais de 200 km/h.
É outro mundo, outra cultura e, como falei, você precisa respeitar algumas regras básicas nessas condições, a fim de não correr muitos riscos e expor os demais a chances elevadas de acidentes devastadores.
Por exemplo: avise com importante antecedência o que irá fazer, qual a sua intenção, como mudar de faixa ou mesmo reduzir a sua velocidade por haver um veículo lento à sua frente. Como tudo se processa rápido nessas velocidades, o quanto antes você souber o que vai enfrentar e os outros souberem a ação que você tomará menores as possibilidades de algo dar errado.
Mas não é nada que você não se habitue e relativamente rápido. Aprende a ficar na sua, a 120, 140, 160 km/h, na faixa central, as autoestradas principais têm três faixas, e logo se sente confiante novamente.
Já tive a oportunidade, várias vezes, de dirigir alguns desses modelos velozes aqui na Alemanha, e fiquei impressionado como parece existir um código de respeito a essas regras básicas. E de maneira bem geral funciona. Às vezes algo dá errado e ocorre um acidente. Acredite, você não consegue identificar o carro, tal a destruição.
Minha viagem para cobrir o GP da Alemanha começou em Nice, na França, quarta-feira. Decolamos e seguimos ganhando altura ao mesmo tempo que acompanhamos o litoral, o pedacinho final da Côte d’Azur, ainda da França, até a fronteira com a Itália, 30 quilômetros apenas, e chegamos à Costa Azzurra, do lado italiano. A região é a Liguria.
Depois da fronteira vejo à esquerda da aeronave (à direita está o Mar Mediterrâneo) Ventimiglia, Bordighera, San Remo, Imperia, Albenga, Savona, e exatamente sobre Gênova fazemos uma curva à esquerda para seguir na proa de Milão, 120 quilômetros adiante, rumo Norte. Ao pé de Milão identifico o Parco di Monza, local do autódromo, bem visível a 30 mil pés (9.500 metros) e então os Alpes.
Surpreendentemente ainda há montanhas com um resto de neve, apesar do calor na Europa. Sobrevoamos Como, Lugano, o lago de Zurique, na Suíça, Stuttgart, já Alemanha, e nos aproximamos para pouso em Frankfurt. Apenas 1 hora e 10 minutos de voo.
A Alemanha é o local mais fácil de alugar um carro, bem como de sair com a chave. Como sou cliente já de uma empresa há muito tempo, 5 minutos depois de me apresentar e repassar a cópia do e-mail com a reserva em já me dirigia para retirar o carro.
Por vir a Heidelberg desde 1991, conheço razoavelmente o caminho. Não uso quase nunca GPS. Amo navegar. Tenho coleção de mapas. Faço o meu plano prévio de navegação com mapas e vou seguindo o roteiro.
As vezes, nos locais menos familiares, encosto o carro no acostamento, abro os mapas e invariavelmente encontro o caminho. Com os anos você desenvolve a técnica. Já sai de Johanesburg com um mapa comprado no aeroporto para ir até Botswana. Sozinho, como de hábito.
Determinado momento, precisei subir no capô do carro para entender qual direção tomar. Era uma imensa planície, vegetação rasteira, e sem indicação. Meu único receio era ficar sem combustível. Descobri depois ter tomado a decisão certa. Mas já errei também, claro.
Quando saí da área do aeroporto de Frankfurt, quarta-feira, podia escolher entre as autoestradas 5 e 67 para vir a Heidelberg. Optei pela 5 porque desejava sair em Heppenheim, meia hora aqui de onde estou. É a cidade de Sebastian Vettel.
Seu pai, sempre simpático, simples, é um senhor baixinho. Sebastian tem duas irmãs mais velhas e um irmão mais novo, que corre de kart. Sebastian ajuda todos. Heppenheim é bastante parecida com Hockenheim.
As semelhanças das cidades, nesta área, se explica com a destruição promovida pelos aviões bombardeiros aliados principalmente em 1944 e 1945 durante a Segunda Guerra Mundial. A maioria das cidades alemãs teve de ser reconstruída. O centro histórico de Heidelberg, o castelo, a ponte sobre o rio Neckar, medievais, felizmente foram preservados.
Vou colocar no ar uma série de fotos da região, de Heidelberg e Hockenheim, para você terem uma melhor ideia do que falo.
Em Heidelberg há algumas importantes universidades. Dos 150 mil habitantes da cidade 30 mil são estudantes. A universidade pública local é das mais antigas do mundo, remonta a 1.386. A primeira foi a de Bolonha, em 1.088.
Em 1994, permaneci a maior parte do mês de maio em Bolonha, acompanhando as investigações da morte de Ayrton Senna, mas logo em seguida vim para Heidelberg, onde montei base naquela temporada. Sou fã confesso da Alemanha. O curso de Medicina da cidade está dentre os mais reputados do mundo.
O meu hotel localiza-se no centro de Heidelberg. Dirijo pela avenida do hotel até a estação de trem, 2 quilômetros, viro à esquerda, sigo mais 300 metros, agora à direita e já estou na reta que logo adiante, um quilômetro, me lança na autoestrada. Até o estacionamento da imprensa internacional são 20 quilômetros. Perto do autódromo o trânsito costuma ser lento.
Hoje, sexta-feira, revi uma experiência interessante. Saí da sala de imprensa com o mapa da área do circuito, segui até o fim do paddock, onde em geral a FIA estaciona o seus motorhomes, passei pelo túnel debaixo da pista e, do outro lado, virei à direita e segui paralelo a reta dos boxes. Antigamente a sala de imprensa era lá e tínhamos de atravessar o túnel toda hora. Pouco prático.
Em resumo, fui até o Clark Memorial. No dia 7 de abril de 1968 o grande piloto escocês, duas vezes campeão do mundo, 1963 e 1965, com Lotus-Climax, além de vencedor das 500 Milhas de Indianápolis, em 1965, perdeu a vida durante a etapa de abertura do Campeonato Europeu de Fórmula 2. Sua Lotus 48, de repente, em plena reta de Hockenheim, saiu da pista, sob chuva, e colidiu contra uma árvore. Imagine, não havia guardrail na época.
Fotografei o Memorial, ouvi pessoas que estavam no autódromo naquele dia, 46 anos atrás, e produzi um material rico de informações para o UOL – Esportes – F1. Vale a pena ler, se você gosta de história da Fórmula 1. Aprendi com a pesquisa.
Da sala de imprensa até o Memorial, do outro lado da pista, no meio da floresta, já numa área não mais cortada pelo circuito inaugurado em 2002, são 6 quilômetros de deslocamento, três para ir e três para voltar. Amigos, hoje a temperatura naquele horário, depois do primeiro treino livre da Fórmula 1, ao redor do meio dia, era de 33 graus, com o asfalto a 58.
Quando voltei à sala de imprensa, uma hora depois, estava molhado de suor. Fui ao banheiro do paddock, tirei a minha camiseta e tomei literalmente um banho de gato. O pessoal das equipes não entendia muito bem o que fazia aquele cara ensaboado da cintura para cima e enfiando a cabeça embaixo da torneira. Não me importei, não conseguiria redigir completamente molhado de suor.
Lembro-me da minha primeira vez em Hockenheim, 1991. Ayrton Senna liderava o campeonato, com McLaren MP4/6-Honda. Mas ele sabia que a Williams tinha um carro, o modelo FW14-Renault, que em pouco tempo não poderia ser mais alcançado.
O responsável pelo monoposto da Williams era um tal de Adrian Newey, dispensado pela March no ano anterior. Assim que o FW14-Renault resolveu seus problemas de confiabilidade, a McLaren foi ficando cada vez mais para trás.
Em Hockenheim a Williams vinha de três vitórias seguidas, com Riccardo Patrese no México, Nigel Mansell em Magny-Cours, na França, e Mansell de novo em Silverstone, Inglaterra.
Nunca vou esquecer essa frase do Ayrton: “Olha os dois carros e você vai entender a razão de estarmos ficando tão para trás. A Williams tem uma proposta aerodinâmica nova. A aerodinâmica do nosso carro é antiga. Hoje tem gente explorando novas ideias”. A relação de Ayrton com Ron Dennis tornou-se tensa porque o piloto sabia que provavelmente perderia o campeonato para Mansell.
Nessa época, nas entrevistas regulares de sábado, perguntei a Dennis o que tinha a dizer sobre as críticas de Ayrton sobre o atraso na área de aerodinâmica. Dennis fechou ainda mais a cara, sugeriu estar pensando por longos segundos, e me respondeu: “Ayrton tem razão. Eu pago tanto dinheiro para ele que não sobra para contratar grandes engenheiros”. A coletiva acabou ali.
E Mansell venceu em Hockenheim. Não me lembro o que aconteceu com o Ayrton, acho que ficou sem gasolina. O fato é que a Williams ganhou a quarta seguida. Depois veio o GP da Hungria, lá a aerodinâmica da Williams contava um pouco menos e Ayrton voltou a vencer. No fim do ano, acabou campeão em Suzuka. O terceiro e último título de Ayrton, bem como do Brasil.
Nossa, como a hora passa, meia noite e meia já. Vou dormir. Colocarei no ar um post com fotos daqui e mais um texto no Diário de Bordo. Há tanta coisa que poderíamos conversar. Fico por aqui, hoje. Obrigado pela paciência de ler esse texto loooongo. Um grande abraço, amigos!