Livio Oricchio

Saiba mais sobre as profundas mudanças em curso na McLaren

Livio Oricchio

22/X/14

São Paulo

A dispensa de Sam Michael, anunciada hoje pela McLaren, vai ao encontro da profunda reestruturação que a equipe inglesa vem fazendo nos últimos meses. O objetivo é voltar a ser uma organização vencedora e em algumas temporadas referência para os concorrentes, como na época dos três títulos de Ayrton Senna, 1988, 1990 e 1991, e o de Alain Prost, 1989, quando o time também estava associado a Honda, como será a partir do ano que vem.

A primeira modificação importante na recente revisão administrativa da McLaren ocorreu no fim do ano passado. O diretor geral, Martin Whitmarsh, foi demitido. Motivo: ineficiência. Diante da necessidade de um choque de gestão, Dennis reassumiu a liderança do time. Ele havia deixado a McLaren, no fim de 2007, como parte de um acordo com Max Mosley, o então presidente da FIA.

Mosley o odiava. Era explícito e todos no paddock sabem disso. Quando veio à tona o escândalo de espionagem envolvendo a McLaren, o presidente da FIA viu a chance de expulsar Dennis da Fórmula 1. O diretor técnico da McLaren em 2007, Mike Coughlan, foi surpreendido, em casa, na Inglaterra, com todos os desenhos do carro da Ferrari, enviados pelo ex-chefe dos mecânicos do time italiano, Nigel Stepney, já falecido.

A FIA desclassificou a McLaren do Mundial de Construtores de 2007 e desejava bani-la do campeonato de 2008. Para salvar a equipe, Dennis concordou em deixar a Fórmula 1, o que satisfez Mosley, e pagar a maior multa já imposta na história de todos os esportes, US$ 100 milhões (R$ 230 milhões).

Com a eleição de Jean Todt à presidência da FIA, em 2009, Dennis começou a ter nova chance de comandar a escuderia. E como o momento, este ano, exigia, mandou Whitmarsh embora e assumiu a direção geral.

O conceito de Sam Michael não era bom na Fórmula 1. Desde que se tornou diretor técnico da Williams, em 2004, até sua saída para a McLaren, no fim de 2011, a melhor colocação da equipe entre os construtores foi o quarto lugar, em 2004 e em 2007. Esse período é o dos mais fracos resultados na organização de Frank Williams. Na McLaren Sam Michael foi ser diretor esportivo, sem interferência direta na área de projetos. Mas sua competência sempre foi questionada na Fórmula 1.

Há um outro integrante do primeiro escalão da McLaren que não foi dispensado, mas perdeu muito do seu poder de decisão: o diretor técnico dos dois últimos anos, Tim Goss, substituto de Paddy Lowe, atual diretor técnico da Mercedes. Goss hoje apenas assiste os dois maiores responsáveis pelo modelo MP4/30-Honda de 2015, o inglês de origem cipriota, Peter Prodromou, e Doug McKiernan, especialistas em aerodinâmica.

Também se desocupou de ''pensar'' o carro do ano que vem o inglês Matt Morris, egresso da Sauber na metade do ano passado. Ele se dedica mais, agora, a organizar o departamento técnico, estabelecer com mais precisão a função de cada um e como tudo deve funcionar.

O primeiro monoposto da volta da Honda a McLaren deverá ter muito das soluções dos projetos da Red Bull dos últimos anos e ainda possíveis com o novo regulamento. Apesar de Prodromou ter começado a trabalhar na sede da McLaren em Woking, ao sul de Londres, apenas em setembro, seria inocência acreditar que de sua casa ou de um estúdio não estivesse já envolvido ativamente no carro de 2015 desde o começo do ano.

Prodromou trabalhou com Adrian Newey na Red Bull de 2007 até o ano passado. E antes já havia sido o seu principal engenheiro de experimentos aerodinâmicos no túnel de vento na própria McLaren, quando Newey foi diretor técnico de 1997 a 2005. Portanto, Prodromou é o engenheiro que mais trabalhou ao lado do ultracapaz Newey.

O conhecimento adquirido será útil, agora, a McLaren novamente. Mas a genialidade de Newey no desenvolvimento de soluções únicas é intrínseca desse engenheiro aeronáutico que será, ainda, o responsável pelo projeto da Red Bull-Renault de 2015, mas a partir daí passará a ser apenas consultor da escuderia austríaca. Esse foi um dos fatores que contribuiu para Sebastian Vettel trocar a Red Bull pela Ferrari.

Os primeiros sinais da chegada de Prodromou a McLaren poderão ser vistos no teste coletivo que a Fórmula 1 fará no Circuito Yas Marina, em Abu Dabi, terça e quarta-feira depois da ultima etapa do calendário, lá mesmo, dia 23 de novembro, onde possivelmente o título será decidido entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, da Mercedes. A próxima corrida será dia 2, em Austin, no Texas, e depois a penúltima prova em Interlagos, dia 9, uma semana depois do GP dos EUA.

Parte das soluções aerodinâmicas do conjunto dianteiro do MP4/30-Honda da McLaren será testada nesse ensaio. E será também o primeiro treino de pista da unidade motriz da Honda. Vale lembrar que dois meses e meio mais tarde, apenas, os modelos de 2015 já vão estar em Jerez de la Frontera para o primeiro teste de inverno.

A perda de Paddy Lowe para a Mercedes, em junho do ano passado, foi um duro golpe para a McLaren. Junto com esse notável engenheiro foram outros do segundo e terceiro escalão.

Em todas essas mudanças, com exceção da de Whitmarsh, decida somente por Dennis, em todas as demais há a mão forte e competente de Eric Boullier, o diretor geral da McLaren este ano. Foi uma conquista da organização inglesa, ainda que não seja fácil a convivência com Dennis, conforme o próprio Boullier afirmou em entrevista ao UOL.

Desde que Dennis a assumiu, em 1980, como sócio e diretor geral, a McLaren conquistou dez títulos de pilotos e sete de construtores. Agora, no entanto, passa pela pior crise de sua história. Daí tanta mudança no seu organograma.

Este ano luta com a Force India pela quinta colocação entre os construtores. Soma depois de 16 etapas 143 pontos enquanto a adversária, sexta, 123. Para se ter uma ideia de sua baixa produção a líder é a Mercedes, com a mesma unidade motriz, com 565 pontos.

No ano passado, a McLaren terminou em quinto entre os construtores, com 122 pontos, diante de 596 da Red Bull-Renault, campeã. O melhor resultado de um piloto em 2013 foi a quarta colocação de Jenson Button no GP do Brasil. Nenhum pódio. E este ano, o segundo lugar de Kevin Magnussen na abertura da temporada, na Austrália. A última vitória foi em Interlagos, em 2012, com Button.

No Mundial de Pilotos, Button soma 94 pontos, é o sétimo colocado, ao passo que o líder, seu ex-companheiro de McLaren, de 2010 a 2012, Lewis Hamilton, hoje na Mercedes, 291.

Dennis e Boullier tentam convencer Fernando Alonso a voltar para a McLaren. Acenam com um contrato milionário, o mesmo que Sebastian Vettel vai ganhar na Ferrari, cerca de 30 milhões de euros (R$ 100 milhões) por ano, e a promessa de uma equipe bem mais forte. Só não podem dizer a partir de quando. Não sabem.

Uma reestruturação dessa natureza não costuma funcionar à perfeição de um ano para o outro. Mas como Alonso não tem outra opção, a não ser que haja uma reviravolta inesperada no mercado, pouco provável, a tendência é Alonso aceitar. Uma coisa é certa: com os profissionais que hoje trabalham na McLaren, se Alonso for para lá ainda mais, a equipe tem tudo para voltar a ser vencedora, talvez já a partir de 2016.