Livio Oricchio

Equipes grandes com o terceiro carro. Nunca as chances foram tão grandes.

Livio Oricchio

24/X/14

São Paulo

A disputa entre o malaio Tony Fernandes, antigo proprietário da Caterham, e os compradores da equipe, empresários suíços e dos Emirados Árabes Unidos do grupo Engavest SA, pode fazer com que o time não dispute o GP dos EUA, dia 2, e o seguinte, dia 9, em Interlagos.

Não é tudo. A Marussia, do russo Andrey Cheglakov, dono da fábrica de carros esporte do mesmo nome da escuderia de Fórmula 1, pode também não viajar para Austin e São Paulo. A organização, com graves problemas financeiros, está à venda. A Ferrari é a maior credora.

Em outras palavras, não somente nas duas próximas etapas como na 19.ª e última, dia 23 de novembro, em Abu Dabi, onde o título deverá ser definido entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, da Mercedes, os fãs da Fórmula 1 poderão ver apenas 18 carros no grid. Hoje, com a Caterham e a Marussia, são 11 times os inscritos no Mundial, o que significa 22 pilotos. Sem os dois, serão apenas 18.

As implicações para a Fórmula 1 da eventual perda da Caterham e da Marussia, se confirmada, são grandes. O contrato da Formula One Management (FOM), liderada por Bernie Ecclestone, com os promotores de GP exige a presença de 20 carros no grid.

Mas se os dois times não disputarem o GP dos EUA, do Brasil e de Abu Dabi muito provavelmente será também o fim das suas atividades, fazendo com que o campeonato de 2015 tenha apenas 18 carros. Como atender o que está escrito no contrato entre a FOM e os promotores das provas do calendário?

Para as etapas de Austin e São Paulo não haveria o que fazer. As duas teriam somente 18 pilotos no grid. Mas no Acordo da Concórdia está estabelecido que no caso de a Fórmula 1 passar a ter menos de 20 carros ''as escuderias grandes'' têm, necessariamente, de inscrever um terceiro carro nos GPs. Como quase tudo é secreto nos negócios da Fórmula 1, não se conhece, ao certo, quem teria essa obrigação de completar o grid.

O Acordo da Concórdia é o contrato que estabelece os direitos e as obrigações da FOM e das equipes.

Essa é a situação vivida hoje pela Fórmula 1. Existe grande apreensão com o futuro de Caterham e Marussia. O embarque dos carros para a corrida de Austin é amanhã e até agora não há indícios de que as duas terão os seus equipamentos embalados no aeroporto de Heathrow, em Londres, a fim de seguir nos voos fretados pela FOM para os Estados Unidos. A sede da Caterham é em Leafield e a da Marussia em Banbury, ambas próximas ao circuito de Silverstone, na Inglaterra.

Nunca Ecclestone esteve tão perto de recorrer ao Acordo da Concórdia para garantir os 20 carros no grid como manda o compromisso com os organizadores das corridas.

A essa altura, é provável que os responsáveis pelas grandes escuderias estejam estudando como poder ajudar Caterham e Marussia a manterem-se na Fórmula 1. O motivo é simples: custa muito mais caro ter um terceiro carro no próximo campeonato do que fazer algumas concessões agora e vê-las ainda no Mundial.

Ainda no GP da Itália, quando o tema do terceiro carro começou a ganhar força, Toto Wolff, da Mercedes, disse que seria feito de tudo para evitar chegar a essa situação. ''A contratação de um piloto, engenheiros, mecânicos, levar todo esse pessoal aos GPs e a construir um monoposto a mais exigirão investimento mínimo de 35 milhões de euros (R$ 100 milhões) por ano'', disse uma fonte de um time grande ao UOL, em Monza.

E 35 milhões de euros representam muito dinheiro. O orçamento de uma escuderia como a Mercedes, hoje, é de 240 milhões de euros. Quem paga esse extra? Segundo o Acordo da Concórdia, as próprias equipes. Haverá muita discussão com Ecclestone a respeito, com toda certeza.

Na conversa de Monza com a fonte de um time de ponta outras questões emergiram. ''Obviamente poderemos somar pontos entre os construtores com apenas dois carros, os melhor classificados nas corridas'', explicou a fonte. Já os três pilotos garantiriam seus pontos no Mundial de Pilotos.

''Esse modelo de competição faz com que não possamos ter três pilotos do mesmo nível, pois precisaríamos fazer uma escolha a cada etapa sobre quem marcaria mais pontos.'' A fonte dá a entender que seria uma guerra a cada prova.

O francês Eric Boullier, diretor da McLaren, comentou depois do GP de Cingapura, a respeito do terceiro carro, que as medidas necessárias para adotá-lo exigem grande mobilização. ''Contratar o piloto seria o mais fácil. Mas a logística para o restante demandaria pelo menos seis meses de trabalho.''

O primeiro teste com os modelos de 2015 está previsto para a primeira semana de fevereiro no Circuito de Jerez de la Frontera, na Espanha, portanto daqui a apenas pouco mais de três meses. Mas se confirmada a necessidade de Mercedes, Red Bull, Ferrari e McLaren, pelo menos, alinharem um terceiro carro, todos terão de encontrar uma maneira de resolver o problema. Assim como bancar as elevadas despesas.

O momento da Fórmula 1 sugere que talvez Fernando Alonso possa estar esperando a definição do uso ou não do terceiro carro, em 2015, para tomar a decisão sobre o que fazer. Se Ecclestone chamar Toto Wolff, Christian Horner, da Red Bull, Marco Mattiacci, Ferrari, e Ron Dennis, McLaren, e lhes disser que a hora exige sua colaboração, e se necessário lembrá-los tratar-se de uma obrigação, a cenário da Fórmula 1 em 2015 muda bastante.

De repente, serão ao menos quatro vagas a mais dentre as mais importantes equipes da competição. Se Williams e Lotus, por exemplo, desejarem inscrever um terceiro carro obviamente seriam muito bem vindas, mas é pouco provável que possam incluir 35 milhões de euros a mais no orçamento.

Não apenas Alonso poderia tentar correr por um time melhor do que possivelmente será a McLaren-Honda em 2015, mas muitos jovens pilotos teriam sua chance, como o talentoso Felipe Nasr, hoje piloto de testes da Williams e vice-líder da GP2. Contra um eventual sonho de Alonso de pilotar para a Mercedes está o que a fonte disse ao UOL. É de se esperar que as escuderias não optem por competir com três pilotos de nível semelhante, por causa da quase impossibilidade de administrar a disputa.

A ideia do terceiro carro tem resistência não apenas dos que serão obrigados a atender o que está escrito no Acordo da Concórdia como das demais organizações. ''Se hoje já é difícil marcar pontos, conforme nossa situação no campeonato atesta, imagine como será correr com as equipes grandes dispondo de um carro a mais. Será um problema sério para nós, e não falo apenas em nome da Sauber'', disse Monisha Kaltenborn, sócia e diretora do time suíço.

A medida afeta diretamente Force India, hoje sexta colocada entre os construtores, com 123 pontos, Lotus, oitava, 8, e Sauber, décima, sem pontos, ainda. E atinge também até a Williams e Lotus que dificilmente terão o terceiro carro.

É cedo para se imaginar que será isso mesmo que irá ocorrer na Fórmula 1 em 2015. Mas nunca como agora as chances foram tão grandes. Do ponto de vista esportivo, não há dúvida de que criaria um imenso alento novo.