Livres para duelar, mas é pouco provável que não voltem a se tocar
Livio Oricchio
29/VIII/14
Nice, França
A liberdade para seguirem competindo sem ordens de equipe lhes foi ratificada hoje, na reunião da Mercedes, na sede da equipe, em Brackley, Inglaterra. Resta saber se Nico Rosberg e Lewis Hamilton vão saber preservá-la. Parece pouco provável.
Por exemplo já na próxima etapa do campeonato, o GP da Itália, dia 7, quando as características de alta velocidade do lendário Circuito de Monza sugerem que a luta pela vitória pode se limitar aos dois.
Nesta sexta-feira, Rosberg, Hamilton, os pilotos da Mercedes, Toto Wolff, diretor geral, e Paddy Lowe, diretor técnico, reuniram-se, novamente, para discutir quais medidas tomar depois de o time ver a possibilidade elevada de uma dobradinha no GP da Bélgica, domingo, voar pelos ares após toque do aerofólio dianteiro do carro do alemão no pneu traseiro esquerdo de Hamilton.
A definição mais importantes a que chegaram foi: os dois pilotos estão livres para continuar lutando por tudo, pole position e vitória, sem, a princípio, a interferência da equipe. Restam com o GP da Itália sete provas para o fim do campeonato.
Agora, Wolff afirmou também: ''Deixamos claro que um novo acidente nós não iremos tolerar''.
É uma postura corajosa da Mercedes e digna de cumprimento dos apaixonados por F1, pelo esporte de modo geral. No texto distribuído pela equipe, há: ''A Mercedes seguirá promovendo corridas justas por ser a maneira correta de se vencer os campeonatos mundiais. É bom para o time, para os fãs e para a Fórmula 1''.
Na pesquisa de opinião da Mercedes, através do Twitter e Facebook, dentre os 20 mil que votaram, nada menos de 92% escolheram que Rosberg e Hamilton deveriam seguir livres para digladiar. Apenas 8% defenderam ordens da direção na disputa.
Mais calmos, mudaram o discurso
A ira de Wolff e Niki Lauda, outro diretor da Mercedes, no paddock da pista de Spa, era evidente. Esperava-se que depois de verem Rosberg arriscar tudo na ultrapassagem a Hamilton, ainda na segunda volta, comprometendo o resultado de ambos, a Mercedes fosse adotar ordens de equipe.
Não é o que diz o texto que chegou à mídia nesta sexta-feira. Mas Rosberg recebeu sansões disciplinares, sem que fossem especificadas, além de reconhecer sua responsabilidade no acidente.
Não foi uma ação deliberada, mas ousada demais, potencialmente capaz de excluir os dois da prova. Hamilton não marcou pontos e Rosberg, acabou em segundo.
Na pista onde o modelo W05 Hybrid da Mercedes parecia dispor de maior vantagem técnica, a escuderia saiu da Bélgica com apenas 18 dos 43 pontos prováveis, decorrentes de esperada dobradinha (25 para o vencedor e 18 para o segundo colocado). Venceu Daniel Ricciardo, da Red Bull-Renault.
Toques nas frenagens, comuns em Monza
As 53 voltas mais rápidas do calendário, dia 7, nos 5.793 metros de Monza, onde esperam-se velocidades acima dos 370 km/h, são, desde já, um grande atrativo para quem gosta de F1.
Diante do que as 12 etapas até agora realizadas exibiram, faz todo sentido a torcida esperar que Rosberg e Hamilton surjam disputando a freada na estreita Variante del Rettilifo, a primeira depois da reta dos boxes. Ou mais para a frente no traçado a Variante della Roggia, com saída ainda mais apertada.
Em Monza, as elevadas velocidades geram muito vácuo, o que facilita as ultrapassagens, já potencializadas com o flap móvel (DRS). É comum carros de desempenho semelhante, como os dois que a Mercedes disponibiliza a Rosberg e Hamilton, competirem sempre muito próximos. Tudo indica que será um desafio para Rosberg e Hamilton não se envolverem em novo incidente.
O inglês campeão do mundo de 2008, pela McLaren-Mercedes, sabe não ter mais tempo a perder. Precisa desde já começar a reduzir a diferença que o separa de Rosberg na classificação. O alemão soma 220 pontos e Hamilton, 191. A essa altura, 29 pontos representam muito.
Hamilton vai para o ataque
É desconhecida a punição disciplinar a Rosberg. É provável que Hamilton vá procurar explorá-la. Sabe que o alemão terá de ser contido no caso de uma investida para ultrapassá-lo. Rosberg não deverá expor ambos a novo acidente. Hamilton pode partir mais para o ataque. Nesse sentido a vantagem é sua.
Já o alemão, com sua inteligência privilegiada, embora seja menos talentoso de Hamilton, sabe que o equilíbrio emocional está longe de ser o ponto forte do inglês. Ao provocar o seu ''acidente'' na classificação, em Mônaco, que lhe garantiu a pole position e a vitória no domingo, Rosberg continuou capitalizando ainda em Montreal, duas semanas mais tarde.
Hamilton abandonou o GP do Canadá por expor os freios a esforços além dos permitidos, por correr bom tempo próximo demais de Rosberg, na tentativa de assumir a liderança da prova.
O resultado da reunião de hoje da Mercedes, além de surpreendente, não poderia ser melhor para o espetáculo. Há uma frase no comunicado que sugere até certa inocência, pelo que mostram os antecedentes da F1, o que é bom para esquentar a disputa. Depois de Wolff afirmar: ''Deixamos claro que um novo acidente nós não iremos tolerar'', emendou com: ''Nico e Lewis são nossos pilotos e nós acreditamos neles''.
Será histórico se a simples ameaça de intervenção da equipe nessa guerra servir como um verdadeiro freio na ambição desmedida de ambos, bem como se mostrar capaz de evitar novos incidentes.
As chances de Wolff chamar Rosberg e Hamilton para um nova conversa e estabelecer limites severos aos dois são maiores do que a F1 assistir a comportamentos de lisura exemplar da dupla da Mercedes até a definição do campeão.