Alonso entre a cruz e a espada
Livio Oricchio
29/IX/14
São Paulo
Em bom português, Fernando Alonso está entre a cruz e a espada. No próximo fim de semana, em Suzuka, durante os dias do GP do Japão, vamos entender melhor se esse notável piloto espanhol, tido por muitos como o mais completo em atividade, dentre eles eu, vai escolher se ferir com um ou outro objeto contundente.
Alonso tem contrato com a Ferrari até o fim de 2016. Mas se pudesse abandonaria o barco agora. As mudanças na direção da equipe o fizeram perder boa parte de sua força no grupo. Bastante apreciada por ele. Marco Mattiacci, novo diretor, e Sergio Marchionne, presidente, o respeitam e admiram, mas chegam com visão de quem comanda uma empresa, o que é bem diferente de uma equipe de Fórmula 1.
Ambos não têm lá muita noção de que para certas funções no time não é apenas sair no mercado e contratar grandes profissionais, como no meio empresarial. Pilotos de Fórmula 1 capazes de fazer a diferença, de garantir resultados práticos para o investimento de 220 milhões de euros por ano, são bem raros. E Alonso é o mais eficiente deles.
Para Mattiacci e Marchionne, Alonso é um funcionário do alto escalão, nada mais que isso. Se quiser ficar continuará sendo bem tratado, mas se não está gostando de algo nada o impede de deixar a empresa. Repare que escrevi empresa e não equipe.
Tudo isso Alonso já compreendeu. Ouviu um ''não'' a sua exigência de querer interferir nos rumos do time e também quanto a poder anunciar no GP da Espanha do ano que vem, se a Ferrari produzir outro fracasso de carro em 2015, que vai deixar a escuderia no fim do campeonato.
Quando quem comandava a Ferrari eram Stefano Domenicali, diretor, e Luca di Montezemolo, presidente, o ambiente para Alonso era muito distinto. Tudo gravitava ao seu redor. Prevaricou da situação. Como tanto gosta. Mas agora é diferente. Mattiacci no dia a dia o ouve, mas não o considera o líder supremo como seu antecessor.
As implicações contratuais de não terminar o ano são imensas, o afetaria para o resto da carreira. É inegável, porém, que não deseja mais prosseguir com os italianos. As críticas recíprocas já se tornaram públicas. É nesse clima que o bicampeão do mundo, 2005 e 2006, pela Renault, de 33 anos, se apresenta para disputar o GP do Japão.
Japão, terra da Honda, parceira da McLaren a partir do ano que vem. Basta Alonso mencionar a Ron Dennis e Eric Boullier, diretores da McLaren, que poderia se transferir para lá, como provavelmente já fez, para tudo o que desejar e mesmo impor ser aceito.
Mas há um grande problema, daí se a Ferrari ser a cruz, a McLaren ser a espada. A Honda está atrasada com a sua unidade motriz para equipar o time inglês. E estamos a apenas quatro meses do início dos testes de pré-temporada dos modelos do ano que vem.
Se Alonso aceitar o desafio de correr pela McLaren-Honda, terá de se contentar muito provavelmente com resultados fracos pelo menos na primeira metade do próximo campeonato. Pois além de a unidade motriz não ter ido para a pista para um único ensaio prático ainda, e isso é oficial, os japoneses assumem, Alonso teria de torcer muito para a McLaren produzir, para 2015, um chassi bem mais eficiente que o atual.
E esses saltos de performance no chassi, ao menos na extensão do necessário pela McLaren, são raros. Isso tudo quer dizer que lutar pela vitória, pelo título, o sonho já quase incontrolável de Alonso, por ser ambicioso e se sentir o melhor de todos, teria de ficar muito provavelmente para 2016. Tudo dando certo.
Oras, a razão inicial desse conflito explícito com a Ferrari é a não disponibilidade de equipamento para explorar seus inegáveis dotes de piloto excepcional. E se concordar em ir para a McLaren a tendência é agravar ainda mais sua já quase insuportável frustração.
Nos últimos dias publicações de nações com envolvimento direto com a Fórmula 1, a exemplo de Inglaterra e Itália, não por coincidência países da McLaren e da Ferrari, têm colocado no ar textos sugerindo ser possível até mesmo a Honda aproveitar o GP no seu autódromo, Suzuka, para anunciar que Alonso será seu piloto nos próximos três anos.
Nada é impossível na Fórmula 1. Mas pela lei das probabilidades parece que as chances do anúncio são pequenas. Alonso sabe que trocaria o meio certo, ou seja, a Ferrari projetar e construir para 2015 um carro mais veloz e equilibrado que o atual, diante da reestruturação técnica realizada, pela completa incerteza da McLaren-Honda. Aliás, pode-se dizer a quase impossibilidade de começar bem a próxima temporada, por conta do atraso do time e do projeto da Honda.
Para Alonso concordar com Dennis e Boullier, será preciso que a insatisfação com os homens da Ferrari seja tal que entre conviver com eles, mesmo dispondo de um carro melhor em 2015, como é possível, tenha se tornado insuportável.
O espanhol também pensa como parte importante da torcida, ''Alonso carrega o time das costas'', mas não tem sido reconhecido pelos homens que hoje mandam na Ferrari, de formação empresarial e não de Fórmula 1.
Esse quadro do instante de Alonso na Fórmula 1 foi desenhado partindo da premissa de que Mercedes e Red Bull mantêm as portas fechadas para o piloto, ao menos quanto à temporada de 2015, como é o caso, muito provavelmente.
A escolha de Alonso para 2015, portanto, não será técnica. A opção Ferrari, nesse caso, com os engenheiros contratados, todos com a anuência e até sua indicação, representa uma possibilidade muito maior de dispor de um carro eficiente se comparada com a alternativa McLaren-Honda.
Uma eventual anúncio ''Alonso assina com a McLaren-Honda'', se ocorrer, em Suzuka ou mais para a frente do campeonato, terá fundamentalmente um caráter emocional. Na cabeça de Alonso, seria uma resposta ao que considera um desprezo da Ferrari a quem tem dado muito à equipe.