Livio Oricchio

Alonso na McLaren e Vettel na Ferrari. As chances são grandes. Ótimo.

Livio Oricchio

03/X/14

São Paulo

Olá amigos

Que eu me lembre, este é o primeiro GP do Japão, desde 1991, em que não estou em Suzuka, de propriedade da Honda, ou Fuji, pertencente a Toyota, que recebeu o evento em 2007 e 2008. Mas conversei hoje com amigos que lá estão, bem como troquei e-mails com profissionais bem informados, em especial das coisas de Ferrari e McLaren, para entender melhor o momento de ebulição do mercado de pilotos.

Cruzei as informações que ouvi e li hoje de companheiros que têm nessas equipes suas fontes com os ensinamentos que trouxe comigo da cobertura da temporada até a prova de Monza. Vou estar nos GPs dos EUA e Abu Dabi. Do que pude entender, nem tudo está sacramentado nessa nova e excitante formação de pilotos e escuderias versão 2015. Mas dificilmente escapará do que todos nós já sabemos.

Alonso vai deixar a Ferrari e deve assinar com a McLaren-Honda. E todos os indícios são de que o substituto de Alonso na Ferrari será Sebastian Vettel, da Red Bull-Renault. Confirmada a mudança, como parece ser o caso, o Mundial de 2015 antes mesmo de começar já reúne atrações espetaculares. Não hesito em acreditar que a essa altura Bernie Ecclestone já deve ter telefonado aos dois pilotos a fim de saber em que pé estão as negociações. É o maior interessado que dê certo. Sempre desejou ver Vettel na Ferrari.

Mas antes mesmo de falarmos de 2015, precisamos entender quem ocupará a vaga de Vettel na Red Bull, uma vez definida sua saída. A nova unidade motriz da Renault, financiada em grande parte pela própria Red Bull, deverá ser bem mais eficiente que a atual. O regulamento permite no fim do primeiro ano revisão importante do V-6 turbo e dos dois sistemas de recuperação de energia.

Essa nova unidade motriz instalada no que será o último chassi projetado por Adrian Newey para a Red Bull tem tudo para fazer com que seus pilotos lutem com a dupla da Mercedes, Lewis Hamilton e Nico Rosberg, pelas primeiras colocações. Daí a importância de saber quem será o companheiro de Daniel Ricciardo em 2015. Estamos falando de um carro capaz de seu piloto poder disputar o título. Voltamos na sequência ao tema.

Desejo de cada um

Há um ponto altamente a favor de que o arranjo Alonso-McLaren e Vettel-Ferrari se defina: o interesse dos dois pilotos no negócio, para não dizer da McLaren em receber Alonso e da Ferrari com relação a Vettel . Mesmo que seus contratos imponham multas rescisórias, como com certeza é o caso, é possível se chegar a um acordo. Não faz sentido manter um profissional num time sendo que ele não deseja prosseguir trabalhando lá.

É possível discriminar as razões de cada um para incentivar o negócio. Quais seriam as de Alonso?

O espanhol já compreendeu que a reestruturação na Ferrari não é apenas na área técnica, mas também administrativa. Substituíram Nikolas Tombazis, responsável pelos carros desde 2008, pela ex-dupla de engenheiros da Lotus, James Allison e Dirk de Beer. Tombazis tornou-se coadjuvante no grupo de projetos.

A Ferrari dispensou Luca Marmorini, diretor da área da unidade motriz, e promoveu Mattia Binotto para a função, dentre outras mudanças. Até aí Alonso aplaudiu as decisões, na realidade iniciadas pelo ex-diretor Stefano Domenicali.

Mas o que ficou claro para ele, depois, foi que Sergio Marchionne, administrador delegado da Fiat, proprietária da Ferrari, tinha planos mais abrangentes para sua equipe de Fórmula 1.

Ordenou, por exemplo, Luca di Montezemolo, ainda presidente da Ferrari, substituir Domenicali por Marco Mattiacci, profissional que desconhece o complexo universo da Fórmula 1 e cuja responsabilidade era aumentar ainda mais a já expressiva participação dos automóveis Ferrari no mercado norte-americano, o principal da marca.

A Fiat assume a Ferrari

Não contente, Marchionne dispensou o próprio Montezemolo para assumir ele próprio a presidência da Ferrari.

Alonso acompanha toda essa reestruturação de perto. E, claro, com apreensão. Já viu que Marchionne e Mattiacci são representantes da filosofia praticada pela Ferrari nas duas décadas anteriores à chegada de Jean Todt, como diretor geral, no dia 4 de julho de 1993, no GP da França. Apenas a visão empresarial não funciona na Fórmula 1, mundo de vaidades extremas e de modus operandi único.

Prova maior é que a Ferrari permaneceu na fila de títulos de pilotos de 1979, obtido por Jody Scheckter, até 2000, o primeiro dos cinco de Michael Schumacher com os italianos. Mesmo com sua elevada capacidade gerencial e a necessária mão de ferro na liderança da organização Todt precisou de sete anos para começar a fazer sucesso.

O espanhol impôs condições para continuar na Ferrari. Primeiro ganhar mais dinheiro. Estima-se que recebe 24 milhões de euros por ano e deseja 30 milhões. E depois ter voz ativa na definição dos rumos da escuderia, além de poder rescindir o contrato no fim de 2015, no caso de outro fracasso de carro, e ainda poder anunciar sua saída do time depois do GP da Espanha, em maio.

''Meu futuro na Ferrari está nas mãos da Ferrari'', afirmou Alonso em Suzuka. Para continuar lá Marchionne e Mattiacci terão de atender seus pré-requisitos. Mas já responderam para o campeão do mundo de 2005 e 2006, pela Renault, um redondo ''não''.

As imagens de Alonso no primeiro dia de atividades no GP do Japão, ontem à noite e na última madrugada, revelou um homem em paz. Ao menos na Sky Italiana, em que assisti aos treinos livres, vi Alonso distribuir uvas para convidados e sorrir com maior frequência do normal, por exemplo. Jogo de cena? Não me pareceu ser o caso. Vi aquilo tudo como um comportamento espontâneo.

As razões de Alonso decidir deixar a Ferrari se estendem além da séria desconfiança nos novos líderes da escuderia, embora saiba, como nos disse, na prova de Spa, ter todos os motivos para acreditar que o modelo de 2015 será bem mais eficiente que o atual.

Não falou, mas senti que pretendeu dizer que os projetistas do modelo do ano que vem foram contratados pela administração anterior, a de Domenicali, que poderia não ser o líder que a Ferrari precisa, mas era um homem que cresceu dentro da Fórmula 1 e sabia como lidar com pilotos, cidadãos de personalidade complexa.

Sentimento de ingratidão

Desprezado. É assim que Alonso está se sentindo. Dentro de si, dá tudo e mais um pouco para conseguir resultados. E se a Ferrari chegou a disputar o título em 2010, com chances de ser campeã, e em 2012, sua eficaz condução nas corridas foi determinante. Talvez nenhum outro piloto tirasse tanto daqueles carros quanto ele, pensa Alonso, e com fundamentadas razões.

O mesmo vale para a atual temporada, conforme a diferença de pontos para Kimi Raikkonen, seu companheiro, atesta: 133 pontos, quarto colocado, diante de 45 do finlandês, 11.º.

A diferença de pontos entre Alonso e seus parceiros, o outro foi Felipe Massa, de 2010 a 2013, nesses anos todos na Ferrari, sempre foi muito favorável ao espanhol. E as preferências que tinha no grupo não justificam totalmente essa diferença. Há muito da competência de Alonso no retrospecto notável.

Na cabeça de Alonso, nada disso está sendo levado em conta pela nova gestão da Ferrari. Não se sente mais o líder de antes. É um integrante do grupo. Respeitado, lógico, mas sem o peso de antes. Em vez de ditar ordens, agora acata ordens. Para sua personalidade isso é mortal. Foi uma das principais causas de desgaste na McLaren, em 2007, além do supertalento do estreante Hamilton.

Ruim fora, pior dentro

Diante desse quadro, agora, o melhor a fazer, ao menos consigo próprio, é deixar a Ferrari. É o que está fazendo. Nem que isso signifique ter outra temporada de sacrifício, como provavelmente será o caso na McLaren-Honda em 2015, se esse for mesmo o seu destino, como tudo indica.

A entrevista de Eric Boullier, diretor da McLaren, ontem, em Suzuka, reforça a ideia de que assinado mesmo com o time inglês agora associado a Honda não deve estar. ''A McLaren é uma melhor opção para Alonso do que a Red Bull'', afirmou o francês.

Uma das hipóteses aventadas em Suzuka, ontem, foi de que Alonso poderia tirar um ano sabático, não correr por nenhuma equipe. Poderia ver quem terá um carro capaz de lhe permitir ser campeão em 2016 e iniciar negociações para eventual contratação. É muito provável que desse certo. O conceito de Alonso como piloto, apesar de todos saberem ser um homem difícil, é o mais elevado possível.

Essa hipótese é viável? Obviamente que sim. O espanhol sabe que na McLaren-Honda deverá ter um ano de muito trabalho e resultados não expressivos. Possível ficar parado, mas não acredito, não consigo ver um piloto tão ambicioso como Alonso, na plenitude da sua capacidade, capaz combinar velocidade, em corrida, com regularidade como nenhum outro, apenas assistindo aos eventos na TV.

Assim, tudo nos leva a crer que Alonso deva estar próximo de um acordo com a McLaren-Honda. Mas seria ainda mais interessante para a Fórmula 1 se o seu destino fosse a Red Bull. Houvesse uma troca com Vettel. Com o esperado avanço da Ferrari em 2015, o alemão provavelmente disputaria boa temporada. O mesmo deveria ocorrer com Alonso na Red Bull de nova unidade motriz.

Essa combinação Alonso/Red Bull e Vettel/Ferrari faria com que ambos pudessem, provavelmente, desafiar Hamilton e Rosberg na Mercedes em 2015. Ou seja, seria melhor para a Fórmula 1 do que Alonso na McLaren. Insisto: as chances de o carro da McLaren-Honda no ano que vem permitir a Alonso, ou quem for pilotá-lo, de sair lutando pelas primeiras colocações são mínimas.

Razões: o atraso da equipe na área de chassi e os japoneses com o projeto da unidade motriz, sem um único teste de pista, ainda, restando quatro meses para a pré-temporada de 2015. A McLaren corre com unidade motriz Mercedes, este ano, muito mais eficiente em tudo que a da Renault e da Ferrari, e soma apenas 111 pontos, sexta colocada.

Dentre os times com motor Mercedes é o pior. Na sua frente estão a própria Mercedes, líder, 479, a Williams, terceiro, 187, e a Force India, quinta, 117. Dá para imaginar a McLaren de um ano para o outro, com uma unidade motriz que não tem um ano de experiência, com é o caso de Mercedes, Renault e Ferrari, poder disputar o título? Contraria todos os princípios lógicos da Fórmula 1.

Hora de sair da Red Bull

Demorou mas chegou a vez de Vettel. Desculpe o texto longo, mas resolvi redigir o que vejo desse imbroglio todo.

Vettel tem tantos motivos quanto Alonso para deixar a Red Bull, por incrível que pareça. Afinal, venceu os quatro últimos campeonatos lá e tornou-se um fenômeno. Tem quase todos os recordes de precocidade na Fórmula 1. E muito disso deve ser associado à supereficiência da Red Bull como organização, não apenas aos carros de Newey.

Primeiro motivo: O talentoso e aguerrido Daniel Ricciardo é um adversário bastante difícil de ser superado. Este ano venceu três corridas enquanto ele, Vettel, nenhuma. Muitos questionam o seu real valor nas conquistas dos últimos quatro anos. Como pode perder a disputa para um estreante jovem num time de ponta como Ricciardo?

Evitar esse confronto, em 2015, é algo interessante. A derrota fragorosa, este ano, para o companheiro, poderia ser associada a sua não adaptação às reações do modelo RB10-Renault ao novo e pioneiro regulamento da competição. Mas se Vettel perder por nocaute de novo para Ricciardo no ano que vem sedimentará de vez a ideia de que havia muito da eficiência dos carros de Newey e da Red Bull, como equipe, nos seus quatro títulos seguidos. Arranharia de forma dramática seu conceito de grande piloto.

Outra importante razão para Vettel pensar com seriedade em deixar a Red Bull é o fato de o modelo de 2015 ser o último que Newey irá coordenar. A partir de 2016 será apenas consultor. Entrevistei Vettel antes de ele estender o seu contrato com a Red Bull, há dois anos, e ele me disse que antes de assinar perguntou a Newey se continuaria no time. Só depois de o engenheiro lhe confirmar que permaneceria na Red Bull concordou em estender o compromisso.

Vettel sabe que a médio prazo a Red Bull vai perder muito com a saída de Newey. Não tem mais garantias de dispor de um carro possivelmente vencedor, como são as obras desse brilhante engenheiro aeronáutico.

Mais motivos para Vettel pensar em trocar a Red Bull pela Ferrari: sempre sonhou em correr na escuderia de Maranello. Já o ouvi falar do assunto várias vezes. Se entusiasma com essa possibilidade. Em especial de ser campeão com a Ferrari. E o pacote que os italianos estão lhe oferecendo é atraente do ponto de vista técnico. Os responsáveis pelo modelo de 2015 são engenheiros comprovadamente capazes.

Esse, portanto, é o momento para deixar a Red Bull e se transferir para a Ferrari.

Há duas informações que parecem potencializar essa hipótese. Mas, claro, pode ser apenas uma coincidência. O seu mecânico chefe na Red Bull, Kenny Handkammer, inesperadamente, avisou que está deixando a escuderia. Ninguém entendeu. E o seu ex-engenheiro na época de Toro Rosso, hoje um dos responsáveis pelo avançado simulador da Red Bull, na Inglaterra, o italiano Riccardo Adami, também está saindo do time. E seu destino, comenta-se, deve ser a Ferrari.

Será surpreende se não der certo

Quer saber? Como já escrevi, torço muito para esse arranjo realmente ser confirmado, como penso que deverá ser o caso. Será surpreendente se o desfecho não for esse, não acham?

Agora o companheiro de Ricciardo na Red Bull em 2015. O jogo foi lançado, quem vocês acreditam que ficará com a vaga se Vettel realmente sair? O experiente e campeão do mundo Jenson Button, egresso da McLaren, para dar espaço a Alonso?

O talentoso russo de 20 anos, Daniil Kvyat, seria promovido da Toro Rosso e assim a escuderia poderia manter Jean-Eric Vergne, já avisado que será substituído pelo holandês Max Verstappen, de 17 anos? Seria conveniente para a Toro Rosso, um experiente, Vergne, e um estreante, Max.

Lembro mais uma vez que se trata de um carro capaz de levar o piloto a, provavelmente, lutar por vitórias e talvez até o título. E incrivelmente não sabemos quem irá pilotá-lo, ainda. Outros candidatos? Nico Hulkenberg, Sergio Perez e Romain Grosjean, não vejo outro. E você?

Bem, as nuanças dessa história envolvendo a esperada saída de Alonso da Ferrari estão aí, não sei se todas. Uma coisa é certa: muito provavelmente o próximo campeonato terá belíssimas atrações, ótimo para nós que tanto apreciamos a Fórmula 1. Abraços !