Análise e notas dos pilotos no GP da Bélgica
Livio Oricchio
26/VIII/14
Nice, França
Daniel Riccardo – 10
Red Bull-Renault, vencedor
Os números nem sempre expressam a realidade. Mas depois de 12 etapas disputadas, têm já alguma representatividade. E Ricciardo venceu três etapas, Canadá e as duas últimas, Hungria e Bélgica, além de ter três outros pódios.
Em seis provas, portanto, metade das realizadas, esse jovem de 25 anos pela primeira vez numa equipe potencialmente vencedora, estabelece números que, se comparados com o companheiro, ninguém menos de o tetracampeão do mundo, Sebastian Vettel, supervalorizam o seu trabalho.
Vettel teve mais problemas técnicos que Ricciardo até agora, inquestionável, mas essa diferença expressiva de produção não pode ser justificada apenas com esse fator, o acaso. O máximo que Vettel conseguiu foi chegar em terceiro duas vezes, Malásia e Canadá. Por essa razão é apenas o sexto no Mundial, com 98 pontos, diante de 156 de Ricciardo, terceiro.
Os últimos boxes velhos do Circuito Spa-Francorchamps, ainda usados pela GP2, localizam-se na altura do início da Eau Rouge, a primeira curva, levemente à esquerda, posicionada no fim de uma longa reta em acentuado declive. Logo em seguida à Eau Rouge a topografia do sítio eleva uma parede, que as imagens de TV não deixam claro. É a Raidillon, curva à direita, contornada a mais ou menos 270 km/h, na chuva, no último fim de semana.
Quem escolhe aquele ponto para ver os treinos, o último box dessa série mais antiga, tem uma visão extraordinária das duas curvas, Eau Rouge e Raidillon. Os credenciados ficam realmente próximos da passagem dos carros.
É possível ainda hoje ver fotos dos modelos RB10-Renault de Ricciardo e Vettel nos dias do GP. O aerofólio traseiro é anormalmente reduzido para um traçado onde a velocidade máxima é importante, mas a geração de pressão aerodinâmica também. A possibilidade de Ricciardo e Vettel perderem o controle do carro nesse ponto era bem maior que para todos os demais competidores.
Ver Ricciardo percorrer a Eau Rouge e a Raidillon representa a execução de uma obra de arte, para quem aprecia verificar o desempenho dos pilotos bem próximo da pista. Esse australiano não tem apenas coragem, mas técnica.
A Red Bull apostou na geração de pressão através do assolho do carro, principalmente, o mais eficiente da F1, e retirou a carga dos aerofólios para ganhar velocidade nas retas. Deu certo em Spa. Veremos em Monza.
Os resultados de Ricciardo são o fruto de uma ação pensada em que nenhum detalhe escapa. Os campeões são assim. É por isso que na F1 já o veem como um futuro campeão do mundo. A maior revelação da temporada. E uma imensa satisfação para quem ama esse negócio chamado corrida de carro no mais alto grau.
Na classificação, sábado, perdeu tempo na melhor volta, na pista molhada, e obteve a quinta melhor marca. Vettel foi terceiro. No domingo, Ricciardo aproveitou a chance que tinha, proveniente do canibalismo dos pilotos da Mercedes, e sem um único erro venceu.
Foi a primeira vez que Ricciardo liderou uma prova quase do início ao fim. Nas duas outras vitórias ele veio crescendo na classificação e apenas no final assumiu o primeiro lugar. Na Bélgica o australiano mostrou ser eficaz, e muito, também quando se torna líder logo na segunda volta. São desafios distintos.
Não há como não atribuir nota máxima a Ricciardo.
Nico Rosberg – 4
2.º colocado, Mercedes
Ninguém acredita que a ação de furar o pneu de Lewis Hamilton foi deliberada, como o ''erro'' na classificação do GP de Mônaco. Mas envolveu-se num acidente com o companheiro ainda na segunda volta, um tanto desconcertado por ter perdido a liderança para o inglês na largada (Rosberg era o pole e Hamilton o segundo) e na ânsia de ultrapassá-lo se colocou de forma a expor ambos a riscos enormes de toques.
E se ocorresse, jogaria fora a vitória mais certa da Mercedes na temporada. O modelo W05 Hybrid era muito mais veloz que todos os demais. A inconsequência de Rosberg, de tentar a qualquer preço se posicionar de modo a poder ultrapassar Hamilton, custou a Mercedes, muito provavelmente, a sétima dobradinha do ano, em 12 etapas.
Pior que isso foi Toto Wolff e Niki Lauda verem que, agora, Ricciardo soma 156 pontos, ou seja, 35 a menos, somente, que Hamilton. A liderança de Rosberg não parece ameaçada, a não ser que a dupla da Mercedes resolva se aniquilar de novo, pois soma 220 pontos.
Coloque-se na posição de Wolff e Lauda. A montadora, a diretoria da empresa, aprova orçamento milionário, 200 milhões de euros, para a Mercedes fazer sucesso na F1 e capitalizar com isso. A área técnica desenvolve um trabalho excepcional, um carro bastante superior a todos os demais, a ponto de Red Bull, Williams e Ferrari, por exemplo, poderem vencer apenas se a Mercedes enfrentar alguma dificuldade.
E, de repente, a vice-liderança do campeonato passa a ser ameaçada por Ricciardo. O diagnóstico de quem manda de verdade na Mercedes, no grupo industrial, é um só: o problema é de gerenciamento, não técnico.
É por isso que o ato impensado de Rosberg, de atacar sem medida Hamilton, sabendo qual poderia ser o desfecho da história, é grave. As chances de choque com a manobra eram enormes. O alemão não levou em conta. E não foi por falta de aviso. Ele mesmo explicou que depois do GP da Hungria todos tiveram várias discussões a respeito desses confrontos na pista. E, essencialmente, o que fazer para evitar toques.
Rosberg disputa temporada muito acima do que poderia se esperar. Sabia-se que era um piloto capaz, mas não tanto. Está vencendo um supertalento, Hamilton. A não ser em Mônaco, em que manchou seu ano, nas demais provas pilotou no nível do inglês ou até mais, por ser mais inteligente, ter maior visão de corrida.
Em Spa, não teve a intenção de atingir Hamilton, mas foi inconsequente. Ser beneficiado foi uma coincidência, não um comportamento pre-estudado, como o de Mônaco. Há quem diga que o pai, Keke, está por trás dessas reações por vezes desmedidas. Keke não tem um grande conceito na F1. Joga pesado.
Valtteri Bottas – 10
3.º colocado, Williams-Mercedes
As oportunidades para grandes resultados, na grande maioria das vezes, são criadas pelos pilotos, não caem do céu. Mesmo indo tenazmente atrás, consciente de todos os fatores que podem levar a uma conquista, são difíceis. Há ocasiões em que é preciso refletir profundamente por quais razões as coisas não saíram como o desejado e, principalmente, possível.
Bottas pratica o ensinamento à risca. Quando entende a necessidade de mudar algo, não hesita.
Sabia que tinha carro para ser terceiro, atrás da Mercedes e Red Bull, mais rápidas que a Williams em Spa, e foi o que fez. Com brilhantismo.
Administrou o começo da corrida, entendeu como se posicionar, sem errar, mantendo o ritmo máximo do modelo FW36-Mercedes, e a quatro voltas da bandeirada ultrapassou o compatriota Kimi Raikkonen, da Ferrari, para assumir o terceiro lugar e subir ao pódio pela quarta vez nas últimas cinco corridas.
Não é à toa que está sendo cogitado pela McLaren, por enquanto.
Kimi Raikkonen – 9
4.º colocado, Ferrari
Finalmente um grande trabalho do campeão do mundo de 2007. O modelo F14T da Ferrari se mostrou mais veloz e equilibrado em Spa, há grande identificação de Raikkonen com o traçado, pois já venceu lá quatro vezes, e esteve sempre entre os candidatos ao pódio.
O grande problema do finlandês, este ano, é dispor de um monoposto que sai de frente, algo que pune seu estilo, como explicou ainda na Hungria. No caso do GP da Bélgica, foi inequívoca a maior adaptação do F14T aos 7.004 metros da pista, mas também mostrou que quando Raikkonen quer, ou seja, não faz apenas o trivial, diante de o carro não lhe agradar, pode obter mais para si e a Ferrari.
Sebastian Vettel – 6
5.º colocado, Red Bull-Renault
Reclama da unidade motriz, mas é a mesma de Ricciardo, a temporada toda. O sucesso de Ricciardo parece começar a desestabilizá-lo. É embaraçante ver o companheiro ganhar três corridas e ele, nenhuma, tendo vindo de quatro títulos mundiais. Agora já são 12 etapas das 19 (63%) do ano, a média dos resultados tem representatividade.
Vettel não correu com a mesma velocidade e lucidez de Ricciardo em Spa, como tem acontecido na maior parte das provas até aqui. Há cerca de dez dias o UOL Esporte F1 colocou no ar uma reportagem grande, com a opinião de vários profissionais da F1, sobre as dificuldades de Vettel.
A maioria acredita que em 2015, possivelmente com um carro mais apropriado ao seu estilo, preciso e sempre disposto a buscar o limite, desde que o monoposto seja equilibrado, deverá equiparar seu desempenho ao de Ricciardo ou, quem sabe, superá-lo.
Pela lei das probabilidades, são reduzidas as de Vettel desejar experimentar outros ares, deixar a Red Bull. Primeiro tem contrato. E o ano que vem haverá, possivelmente, maior competitividade entre as equipes. A Renault deve disponibilizar uma unidade motriz melhor.
Mas veja como são as coisas, não é de se excluir a chance de Vettel não querer mais confrontar seu trabalho com Ricciardo e existir um acordo entre Christian Horner, para liberá-lo, e Ron Dennis, aceitá-lo na McLaren-Honda. Não ignore essa muda de planta. Deixe-a num cantinho bem suprido de ar fresco, água e luz. Pode crescer.
Jenson Button – 6
6.º colocado, McLaren-Mercedes
Disputou boa prova. Mas fez bem menos que Kevin Magnussen, o companheiro. Não lutou arduamente pelas posições como o dinamarquês, quem se aproximava passava. Não era o caso de não deixar espaço como fez Magnussen com Alonso e foi punido, porém resistir um pouco mais é o que se espera do piloto mais experiente do grid.
Fernando Alonso – 6
7.º colocado, Ferrari
Viu como Raikkonen pode ser rápido quando tem um bom carro na mão, gosta do traçado e está interessado na corrida. Ficou no ar a sensação de que desta vez a Ferrari permitiria a Alonso fazer mais, como provou o finlandês.
Reclamou do comportamento de Magnussen. Mas a não ser pela manobra em que foi punido, por mandar Alonso para a grama, nas demais o dinamarquês estava apenas defendendo-se legalmente do ataque.
Sergio Perez – 6
8.º colocado, Force India-Mercedes
A equipe ficou para trás no desenvolvimento do carro. Perez tirou o máximo permitido. Esperava-se muito mais da Force India em Spa, como também se espera da próxima etapa, em Monza, por conta de as velocidades de Perez e Nico Hulkenberg estarem dentre as melhores da F1. Ao menos na Bélgica não deu resultado.
Daniel Kvyat – 7
9.º colocado, Toro Rosso-Renault
No ano passado disputou corrida sensacional na GP3, em Spa. Este ano, na F1, andou o que o modelo STR9-Ferrari permitia. O jovem russo é talentoso. Na hipótese pouco provável, mas não impossível de Vettel não querer mais correr ao lado de Ricciardo, e aceitar o convite da McLaren-Honda, Kvyat tem boas chances de ser o companheiro do australiano em 2015.
Nico Hulkenberg – 5
10.º colocado, Force India-Mercedes
Está certo que o modelo VJM07-Mercedes está perdendo, por larga margem, a concorrência para a Ferrari e Red Bull no seu desenvolvimento. E Hulkenberg parece seguir a mesma trajetória. Disse ter enfrentado problemas na corrida com o flap móvel (DRS), e como largou em 18.º, num erro também seu, não apenas da equipe, na corrida disse não ter como ultrapassar. Não é, nesse momento, o piloto que impressionava a todos nos últimos anos.
Felipe Massa – 5
13.º colocado, Williams-Mercedes
O que preocupa os que desejam o bem de Massa é ouvir que não tem de mudar nada para ser mais eficiente nessa volta da F1, depois das férias. Como se as dificuldades que enfrentou fossem todas obra apenas das circunstâncias, ele não tivesse responsabilidade alguma. Houve ocasiões, sim, como em Silverstone e Melbourne, mas foram vários os erros por culpa sua.
É uma postura equivocada. É eximir-se de qualquer obrigação de resultado diante do que Bottas tem demonstrado com o mesmo carro. O primeiro passo para solucionar problemas é tomar consciência da sua existência, reconhecê-los. Massa, no entanto, tem certeza de que tudo o que lhe acontece tem uma causa externa a si. Enquanto talvez a realidade seja oposta.
O problema de Spa foi real, a assimetria aerodinâmica provocada pelo pedaço de borracha no assoalho reduziu a capacidade de o FW36-Mercedes produzir pressão aerodinâmica, não há quem duvide. É um fato.
Mas essas coisas, e as várias deste ano, parecem acontecer apenas para quem não mantém um estado de vigília máximo o tempo todo, o foco em toda ação, mesmo as mais simples. Ocorrem para quem não planeja em detalhes cada passo no fim de semana. E estuda o que se passou por não sair conforme poderia. Entender as causas e visualizar a sua parte de responsabilidade. Sem isso, não há saída na F1.
Contar apenas com a experiência, importante, lógico, não é suficiente. É preciso não apenas qualificar o que deu errado, mas quantificar também. E ser rígido consigo próprio no cumprimento de cada uma das metas estabelecidas para o fim de semana, treino a treino, dentro de um grande objetivo maior.
Para isso, contudo, é necessário por vezes deixar de lado a cômoda posição de que sei quase tudo, talvez até inconsciente, e investir duramente na identificação do porquê não está saindo como deseja e Bottas está provando ser possível.