GP de Cingapura: a possibilidade de surpresas é real
Livio Oricchio
15/X/14
Nice, França
Poucas etapas do campeonato, até agora, reuniram tanto interesse quanto a do próximo fim de semana, o GP de Cingapura, no Circuito Marina Bay, 14.ª do calendário.
Como assim? Vamos lá. Será a primeira prova em que os pilotos terão de compreender sozinhos como reagir na pista diante da elevada interatividade exigida pela Fórmula 1 moderna. Nos últimos anos se educaram a ser orientados, via rádio, pelos técnicos de suas equipes.
De fato, o número de funções assumidas pelos pilotos cresceu bastante, a ponto de a competição privilegiar não apenas os profissionais com dotes de velocidade, mas também os capazes de entender como tornar o carro mais veloz e estável, interagindo com os muitos recursos a sua disposição, hoje.
É uma realidade bastante distinta da que estavam acostumados e potencialmente capaz de gerar surpresas. As desgastantes 61 voltas no Circuito Marina Bay vão nos mostrar como serão principalmente as corridas sem as decisões prontas vindas dos boxes para muitos dos desafios enfrentados na pista.
Vocês já devem ter ouvido, como eu na sala de imprensa nos autódromos, os pilotos recebendo uma série de informações na volta de alinhamento sobre como preparar o carro para a largada, alguns segundos à frente.
Também assistimos com frequência ao piloto ser orientado para mudar o mapa de gerenciamento da unidade motriz, o motor turbo e os dois sistemas de recuperação de energia, MGU-K, o cinético, e MGU-H, térmico. Mais: ''Transfira a carga dos freios, selecione a chave 4 para o consumo de combustível. Os exemplos são muitos.
Tudo isso está proibido. As equipes podem apenas chamar os pilotos para os boxes a fim de substituir os pneus, alertá-los sobre um adversário lento na pista e eventual tráfego a ser enfrentado, dentre outras autorizações de intervenção, visando essencialmente elevar a segurança e não oferecer elementos que possam ser úteis à melhora da performance.
O que penso? Acredito ser possível, sim, vermos de repente um piloto dentre os que têm lutado pelas primeiras colocações, Lewis Hamilton, Nico Rosberg, da Mercedes, Valtteri Bottas, Felipe Massa, Williams-Mercedes, Daniel Ricciardo, Sebastian Vettel, Red Bull-Renault, Fernando Alonso, Kimi Raikkonen, Ferrari, dentre outros, tomar um decisão equivocada e comprometer a possibilidade de um melhor resultado não apenas na corrida como na classificação. Tudo por conta de interagir de forma a não explorar todo o potencial do equipamento.
Quase me esqueço: adicione a esse imbróglio todo a frequência com que o safety car é acionado ao longo desse GP. Podemos esperá-lo de novo domingo. Será surpreendente se não for acionado. Imagine antes de cada relargada o que não vai acontecer. Tenho comigo que em algum instante alguns pilotos vão perguntar a si mesmos, ''e agora, o que faço?''
A FIA está de olho também nas tentativas de comunicação por código entre piloto e equipe. ''Alfa, Bravo, Charlie'', Hamilton. E o inglês já saberia do que se trata. Não pode!
Coloque nessa balança que o GP de Cingapura é o mais longo do calendário. Nas seis edições da corrida disputadas até agora, o vencedor recebeu sempre a bandeirada quase no limite das duas horas máximas estabelecidas pela FIA, sendo que em 2012 a prova foi encerrada por causa do limite.
Vale a pena ver o tempo de corrida do GP de Cingapura: em 2008, Alonso venceu em 1 hora e 57 minutos; em 2009, Hamilton, em 1 hora e 56 minutos; 2010, Alonso, em 1 hora e 57 minutos; 2011, Vettel, em 1 hora e 59 minutos; 2012, Vettel, em 2 horas, 0 segundos e 26 centésimos; 2013, Vettel em 1 hora e 59 minutos.
Você lembra qual foi o tempo de corrida de Hamilton para ganhar em Monza, dia 6, agora? Olhando aqui na minha cola, te digo: 1 hora, 19 minutos, 10 segundos e 236 milésimos.
Repare que agora, domingo, será muito tempo para o piloto sozinho entender como tirar o máximo do seu carro. Sem falar que o GP de Cingapura é o mais desgastante fisicamente, o que reduz a capacidade de o piloto raciocinar com clareza, em especial tendo de levar em conta tantos parâmetros de desempenho. Será um desafio bem interessante de acompanharmos.
A temperatura é junto da prova em Sepang, na Malásia, a mais alta do calendário, sempre acima dos 30 graus, mesmo se tratando de um evento noturno. Outro fator ainda mais estressante é a impressionante umidade relativa do ar, em geral acima dos 70%, mesmo sem chuva. Se bem que este ano a previsão é de tempo chuvoso para os três dias de competição.
Já que fizemos uma breve viagem pela história do GP, permaneçamos no tema. Será que Vettel vai vencer a primeira dele no ano lá em Cingapura? O tetracampeão do mundo vem de três vitórias seguidas na prova, 2011, 2012 e 2013. Olha, amigo, se existe um traçado onde a Red Bull pode pensar em andar perto da Mercedes é o do Circuito Marina Bay.
Vettel terá o quarto chassi novo, quinto do ano. É mais uma tentativa de ver se a diferença de desempenho para Ricciardo se relaciona com algum eventual problema no carro. Pouco provável. As possíveis razões foram apontadas pelos profissionais da Fórmula 1 em ampla reportagem publicada pelo UOL Esporte há três semanas.
O primeiro chassi Vettel usou do GP da Austrália ao da China, quatro etapas. O segundo, do GP da Espanha ao da Hungria, seis provas. Em Spa passou para um novo, mas já em Monza, duas semanas depois, preferiu o que usou nos testes de Silverstone. Agora, em Cingapura, Vettel pilotará um carro inteiramente novo.
Ainda sobre o Circuito Marina Bay. Já tive a oportunidade de percorrer a pé os seus atuais 5.065 metros e posso dizer que é curva que não acaba mais. São 23 por volta, o maior número de curvas numa pista da Fórmula 1. E todas lentas ou no máximo de média velocidade. Algumas zebras são verdadeiras rampas de decolagem.
Melhoraram, sem dúvida, nos últimos anos, mas ainda é fácil o piloto tocá-la no ângulo equivocado e ser catapultado para o guardrail, sempre muito próximo ao asfalto. Os erros costumam cobrar preços caríssimos em Cingapura.
Não há grandes retas nessa pista, trechos longos de aceleração plena onde a unidade motriz da Mercedes possa fazer com que seus pilotos imponham vantagem enorme aos concorrentes. Em Monza, a unidade motriz da Mercedes, essencialmente, definiu os quatro primeiros colocados na corrida, Hamilton, Rosberg, Massa e Bottas. No GP de Cingapura não será decisiva como no da Itália. Tração e freios eficientes contam muito no GP dessa cidade-estado.
Tem mais a favor de podermos assistir a uma luta pelos primeiros lugares: a escolha da Pirelli. Os pilotos vão ter pneus macios e supermacios. Em geral esses pneus, por apresentarem maior aderência que os médios e duros, mascaram um pouco as deficiências dos chassis. Essa maior aderência mecânica proporcionada pelos pneus reduz um pouco a importância dos carros capazes de gerar elevada pressão aerodinâmica, como os modelos W05 Hybrid da Mercedes e o RB10-Renault da Red Bull.
Assim, Rosberg e Hamilton possivelmente vão ver os adversários mais próximos no GP de Cingapura. Talvez a Williams sofra um pouco mais que Red Bull e até a Ferrari, no Circuito Marina Bay, diante do apresentado em pistas com características semelhantes, a exemplo de Mônaco.
Mas o FW36-Mercedes de Bottas e Massa tem surpreendido tanto este ano, seguramente é o monoposto que mais evoluiu ao longo da temporada, que não podemos deixá-lo de fora dessa luta com a Mercedes, a Red Bull e até a Ferrari.
No caso da Ferrari há um fator com potencial para diferenciá-la no próximo fim de semana, Alonso. O espanhol tem um retrospecto impressionante no GP de Cingapura. Em 2008, sabemos, aconteceu a fabricação de resultado. Ele ganhou, com Renault. Em 2009, na limitada Renault, ainda, sem falcatrua desta vez, terminou em terceiro. Em 2010, já na Ferrari, venceu. Em 2011, ficou na quarta colocação. Em 2012, terceiro, e no ano passado, segundo.
''Adoro esse GP, amo a pista, considero o evento o mais desafiador do campeonato, pela extensão, exigências físicas, tenho uma empatia com o circuito e sempre me dou bem lá'', diz Alonso. É bem provável que o veremos andar muito bem, de novo, no fim de semana.
Vamos estar atentos, ainda, amigos, à questão do número de unidades motrizes à disposição dos pilotos. Você sabe que são cinco por piloto por temporada. É uma loucura. Para não dizer uma estupidez. Qual o sentido de você criar um regulamento completamente novo para a unidade motriz, mudou tudo, até o conceito, e primeiro proíbe o seu desenvolvimento durante o ano e depois limita a cinco unidades por piloto.
Quem estabeleceu essas restrições não estava no seu normal, só pode ser isso. A Fórmula 1 não pode ser tratada dessa forma. Não há lógica. Quem começa o ano atrás termina atrás, segundo esse modelo ignorante de regulamento.
Fazer economia, tudo bem, necessário, mas ferir um princípio básico da Fórmula 1, do esporte, diria, que é permitir a possibilidade de recuperação, é desejar condená-la ao distanciamento do público, como de fato vem ocorrendo, por esse e outros motivos semelhantes.
Daniil Kvyat já pagou por isso em Monza, 13.ª etapa do calendário. E há ainda, com a de Cingapura, como disse, seis outras. Kvyat largou no GP da Itália em 21.º por ter sido punido com a perda de dez colocações no grid em razão de usar a sexta unidade motriz da Renault na sua Toro Rosso. Vettel, por exemplo, está no limite, 5 unidades.
Bem, se fosse continuar escrevendo iria bem mais longe, ainda, mas já sobrevoamos juntos, aqui, o GP de Cingapura. Vamos ver como os temas que conversamos se verificarão na prática, já a partir de sexta-feira. Eu estou bastante curioso. E você que, como eu, gosta de Fórmula 1?