Livio Oricchio

A pista de Hockenheim não entusiasma quase ninguém

Livio Oricchio

15/VII/14

Nice, França

Olá amigos.

Agora que as águas de Silverstone passaram – choveu sábado o dia todo e logo depois da corrida, domingo -, vamos para Hockenheim. Apesar de a Alemanha ser um dos países que mais admiro, não me entusiasmo com o circuito.

É engraçado como a espetacularidade das pistas interfere na gana com que embarcamos para os GPs. Pelo menos comigo é assim. Uma coisa é eu preparar a minha bagagem e saber que vou cobrir uma corrida em Spa-Francorchamps, Suzuka, os meus favoritos, outra é Monza, Hockenheim, traçados burocráticos, digamos assim.

Há circuitos em que mesmo quando a luta pelas primeiras colocações não gera maiores emoções saímos de lá satisfeitos, ao menos os que gostam de automobilismo. A simples observação de como cada piloto responde ao desafio do exigente traçado, em que sua capacidade realmente está sob exame, nos alimenta.

Tenho lido nos últimos dias fãs da F1 se lamentando da extinção da antiga pista de Hockenheim. Permitam-me, por favor: não é o que penso. Até há uns 12 anos, mais ou menos, nos era permitido às quartas-feiras, ou mesmo nas quintas-feiras, percorrer o circuito com o nosso carro. Nunca perdi a chance!

Era uma maneira de descobrir detalhes do traçado, entender as razões de alguns pilotos escolherem certas trajetórias, quais zebras evitar, enfim, acrescentava conhecimento. Como tudo na F1, acabou proibido. Mas ainda os percorro, com alguns colegas, em carros de serviço, vez por outra com o próprio Charlie Whiting.

E os antigos 6.825 metros de Hockenheim representavam muito pouco em termos de seletividade dos pilotos. Era muito mais equipamento. Os pilotos da época, a maioria, não apreciavam a pista, diziam-se passageiros muitas vezes de seus carros.

Ouvi de ninguém menos de Ayrton Senna, em 1993, o seguinte: ''Aqui depende bem pouco da gente''. Sua McLaren-Ford V-8 desenvolvia cerca de 80 cavalos a menos do Williams-Renault V-10 de Alain Prost, o vencedor. Senna chegou em quarto, 1 minuto e 8 segundos depois do francês.

Havia quatro longas retas, com cerca de 1.200 metros cada, onde se chegava na última marcha e com o motor no limitador de giros, seguidas de três freadas fortes, para entrar nas três chicanes ao final delas, iniciando o seu contorno sempre em segunda marcha.

Senna e Clark não aprovariam

Curiosamente, as chicanes, trechos de baixa velocidade por excelência, tinham nomes de dois dois maiores pilotos de todos os tempos, Jim Clark, a primeira, e Ayrton Senna, a segunda. Tenho certeza de que ambos não aprovariam ceder seus nomes a secções da pista de segunda marcha.

A primeira chicane foi construída, na realidade, depois de 7 de abril de 1968. Nesse dia, Jim Clark saiu da pista com sua Lotus-Cosworth de Fórmula 2 no ponto onde há a chicane e colidiu com uma árvore a 230 km/h, dividindo o chassi ao meio. O mito Clark perdeu a vida. Não havia grades.

Se você for lá hoje existe um santuário, sempre com flores, mensagens, a exemplo do de Senna na curva Tamburello, no Circuito Enzo e Dino Ferrari, em Ímola. Vou verificar no fim de semana, agora, se o acesso ainda está liberado, faço algumas fotos e coloco no blog. Nas ocasiões em que lá estive senti algo semelhante à sensação de busca interior sugerida na Tamburello.

Em 2012, entrevistei o francês Jean Pierre Beltoise para uma reportagem sobre os 40 anos do GP de Mônaco de 1972. Depois daquela corrida, vencida por ele, então na BRM, companheiro do atual homem-forte da Red Bull, Helmut Marko, pela primeira vez um brasileiro assumiu a liderança do Mundial, Emerson Fittipaldi, da Lotus-Cosworth, terceiro na prova, disputada sob chuva intensa.

Conto isso porque Beltoise venceu a corrida de Fórmula 2 de 7 de abril de 1968 em Hockenheim, também no asfalto molhado. Apesar da morte de Clark, sob circunstâncias até hoje não esclarecidas, pois perdeu o controle da Lotus em plena reta, a competição prosseguiu, realizaram até a premiação do pódio, com Beltoise estourando o champanhe. O francês comentou ficar sabendo apenas depois.

Algo bastante semelhante ao ocorrido em 1994 em Ímola. Flavio Briatore me disse que foi ele quem comunicou Michael Schumacher da morte de Senna depois de deixar o cockpit da Benetton-Ford, para subir ao pódio celebrar a vitória no GP de San Marino.

A terceira chicane da antiga Hockenheim se chamava OstKurve. No dia 1.º de agosto de 1980, Patrick Depailler treinava com sua Alfa Romeo 179 quando, pelo apurado pela própria equipe, quebrou uma das suspensões e o carro colidiu com extrema violência no guardrail na OstKurve, seccionando as suas pernas, além de outras lesões que lhe provocaram a morte.

Apenas beleza não resolve

Hockenheim antigo era um circuito muito bonito, em meio a uma vasta plantação de pinheiros, monocultura, confundida com uma floresta. Pior, com a Floresta Negra, esta sim rica em diversidade biológica, no extremo sudoeste alemão, fronteira com a França e a Suíça.

Mas em termos de permitir a um piloto mais capaz, corajoso, ganhar dois, três, quatro décimos, a Hockenheim de quase sete quilômetros não correspondia.

Uma combinação de razões levou os organizadores a repensar o traçado. Havia forte pressão da FIA por razões de segurança. Em 2001, os responsáveis do GP da Alemanha também planejavam aumentar a área de arquibancadas, elevar a capacidade de público do autódromo, bem como dispor de um traçado mais exigente para os pilotos.

Queriam, essencialmente, selecionar mais que o motor de maior potência e os freios mais eficientes, elementos mais cobrados do conjunto. O número de abandonos nas provas na antiga Hockenheim era maior que em outros GPs. Mas havia a questão ambiental como impedimento para a reforma.

Foi feito, então, um acordo com as autoridades do meio ambiente. Para redesenhar Hockenheim teriam de promover o corte de significativa área de plantação dos pinheiros. Mas em compensação, os milhares de metros quadrados do antigo circuito que seria extinto receberiam mudas de árvores. Como nesse jogo a área replantada seria maior que a cortada, as autoridades concordaram com a obra.

Novo desastre de Tilke

Como não poderia deixar de ser, um arquiteto alemão foi contratado para conceber o novo traçado, mas sem mexer na área do estádio da pista: Herman Tilke, o mesmo dos autódromos de Bahrein, da China, Russia, de Austin, nos Estados Unidos, e Abu Dabi. Fez também os da Turquia e Índia, ambas já fora do calendário.

E a exemplo da maioria dos demais traçados, infelizmente mil vezes para o automobilismo, Tilke não desenhou NADA mais espetacular, exigente, seletivo, onde um grande piloto, por conta de seu talento, seja capaz de conquistar belo resultado mesmo dispondo de um equipamento nem tão eficaz.

Veja a loucura que esse simpático arquiteto, sempre disponível, me levou conhecer a pista que criou na Índia pessoalmente, no seu carro, junto de outros dois jornalistas, concebeu para o novo segmento de Hockenheim:

Os pilotos fazem a curva 1 antiga e entram agora numa reta que é a metade da original. Eles se aproximam em 7.ª ou 8.ª marcha, a 320 km/h, valores médios, e freiam forte, para iniciar a nova curva em 2.ª marcha, a 150 km/h. Novo trecho de aceleração plena, mais longo, levemente em curva para a esquerda, para nova aproximação em 8.ª marcha, a 330 km/h, e freada forte, com redução para 1.ª marcha, agora a 80 km/h.

Outra segmento de trocas de marchas em aceleração, com a terceira curva nova percorrida em 6.ª marcha sem dificuldade por todos, pois seu raio é imenso, e de novo os pilotos freiam forte e reduzem de 7.ª ou 8.ª para 2.ª marcha, para começar a curva a 150 km/h. Essa curva é identica em raio à primeira nova, depois da curva 1 original. A única diferença é que é para a esquerda e a outra é para a direita.

Em seguida há uma pequena reta onde os pilotos chegam à 4.ª marcha para iniciar o contorno da quinta e última curva nova inserida na pista. Nesse ponto os pilotos freiam levemente e percorrem a curva à direita em 4.ª marcha a cerca de 200 km/h.

A partir daí, voltamos ao circuito original, com a interessante curva de acesso ao estádio, onde é comum os pilotos perderem o carro na saída. É desafiadora.

Repare que da intervenção de Tilke resultaram, na prática, cinco curvas: duas de 2.ª marcha, a 150 km/h, uma de 1.ª marcha, a 80 km/h, uma de 4.ª marcha, a 200 km/h, e uma de pé em baixo, em sétima, como se fosse uma reta.

Dá para ver que, dispondo de toda a liberdade e recursos para projetar, Tilke desperdiçou outra grande oportunidade de inserir no calendário trechos que fariam os pilotos, a torcida, a imprensa aguardarem com ansiedade a hora de os carros irem para a pista?

Se você conversa com Tilke, posso ligar para o seu celular que serei sempre bem atendido, como os demais jornalistas, seu argumento é que a curva lenta de hoje é a curva rápida do futuro.

Não para a espécia humana

Mas, espera um pouco, quando os carros passarão a contornar essas curvas atualmente de 2.ª marcha, a 150 km/h, em quinta, a 250 km/h? As acelerações, diante do seu ângulo, seriam tão elevadas que precisaríamos de outra espécie a conduzir os carros, não a humana!

A Fórmula 1 perdeu com Tilke e seu grupo a maior chance da história de rever o conceito de pista da maioria das etapas do calendário. O alemão dispôs de todos os recursos e com raras exceções, como os traçados da Turquia e Índia, nem mais em uso pela Fórmula 1, produziu circuitos risíveis perto do que poderia ser feito por alguém que minimamente entendesse o que é uma pista seletiva, desafiadora.

Nos falamos, agora, de Hockenheim. Espero que apesar do atual circuito tenhamos uma bela corrida.

Abraços!