Livio Oricchio

A volta da espontaneidade

Livio Oricchio

Olá amigos!

Escrevo de São Paulo, onde cheguei ontem, procedente de Budapeste e Frankfurt, depois de longos meses viajando com a Fórmula 1.

Não posso deixar de abordar um tema que, felizmente, está ganhando importância a cada dia na Fórmula 1, a necessidade de os pilotos terem mais liberdade para falar sobre quase tudo o que desejarem.

Em novembro do ano passado, Bernie Ecclestone me disse durante entrevista com sua esposa, Fabiana Flosi, na suíte de um hotel em São Paulo: ''É ridículo ver um piloto atravessando o paddock e do seu lado uma moça dizendo baixinho o que ele tem de dizer quando lhe perguntam algo''.

Li com entusiasmo o que Christian Horner, diretor da Red Bull, disse sobre as equipes darem mais liberdade aos pilotos, deixar sua personalidade fluir, permitir que a figura do herói emerja. Para o bem da Fórmula 1!

Há tempos bato nessa tecla: o processo de controlar a informação, as declarações, a imagem do politicamente correto atingiu nível patológico. Tudo tornou-se proibido na Fórmula 1.

Às vezes você acompanha a carreira do piloto do kart até ele chegar na Fórmula 1, desenvolve uma relação de certa proximidade, começa a falar com ele no paddock, não necessariamente assuntos da competição, e aí vem o assessor de imprensa do time te chamar a atenção: ''Você não sabe, ainda, que não pode falar com os pilotos''?

Uma ocasião, Rubens Barrichello, Gil De Ferran e eu conversávamos no paddock de Silverstone. Eu os conheço de quando eram adolescentes. Nem lembro mais sobre o que falávamos quando a assessora da Honda chegou e começou a me dar uma bronca.

Ficamos olhando um para a cara do outro. Afinal, o que é que estávamos fazendo de errado? E quem era aquela cidadã para se intrometer no nosso encontro daquela forma presunçosa?

Amigo, o sangue napolitano se manifestou na plenitude e mulher depois daquele dia, tenha a certeza, passou a pensar pelo menos duas vezes antes de paralisar uma conversa entre grupos de pessoas que se conhecem há décadas e mantém relação profissional saudável.

Hoje essa jovem senhora trabalha na Marussia e é minha amiga. E damos risada do que ambos fizeram. Eu também me excedi, ao elevar a minha voz a um nível bem maior que o dela.

O importante é que, felizmente, a Fórmula 1 está acordando para algo que é essencial para se reaproximar do público: permitir seus pilotos voltarem a ser os heróis do espetáculo.

E para isso é preciso que sejam ESPONTÂNEOS !

Nas últimas décadas, fez parte até do marketing do evento isolar seus pilotos. Deu certo por um tempo, foram endeusados, o que ajudava a manter a Fórmula 1 como um mito, de modo geral.

Além disso, o perfil médio de quem investe na competição foi se alterando. Com a globalização da economia, empresas com lastro financeiro viram a Fórmula 1 como uma plataforma ainda mais perfeita para expor sua marca, seus produtos.

E para passar a imagem do politicamente correto, citado lá em cima, para culturas tão distintas, como é o caso quando se expõe a marca na América do Sul, do Norte, Europa, Ásia e Oceania, como a Fórmula 1 permite, a direção de comunicação dessas empresas controlava cada letra, nem mais palavras, emitida por quem faz o show, quem mais aparece para o público, ou seja, os pilotos.

Mas o mundo mudou. Os valores humanos estão sendo resgatados. De repente, um consumidor que ouça um piloto criticar a direção de prova por não punir um adversário que, na sua visão, agiu deslealmente, desenvolve mais simpatia com as marcas que ele representa, investem, mantêm sua equipe, do que se apenas escutasse algo do tipo: ''A autoridade esportiva é soberana e tenho de acatar sua decisão''.

Até porque, o telespectador, o ouvinte, e o leitor não são idiotas. Sabem que aquelas palavras cientificamente elaboradas para responder ao desgaste experimentado na pista não representam o que o piloto pensa.

Ele é um ser humano e, por excelência, por sua natureza, tem sentimentos. Uns mais aflorados outros menos, mas inegavelmente têm suas interpretações do ocorrido, são atingidos pelo que se passou. Só que hoje é proibido expor.

E assim é com tudo. Vejo nas entrevistas individuais que faço, cada vez mais raras na Fórmula 1, por conta dessa doença que tenta controlar tudo, pilotos, engenheiros, dirigentes olharem, por vezes, para o assessor de imprensa em certos momentos da conversa.

Esperam sua aprovação ao que estão dizendo, se estão observando o manual de como se comportar, previamente distribuído antes de chegar ao autódromo. As lições de casa são tomadas em algumas ocasiões no próprio circuito, nos momentos que antecedem uma entrevista para um grande rede de TV, por exemplo.

É preciso, sim, orientar os profissionais para evitar que emitam seus pontos de vista sobre determinados temas que poderiam gerar consequências imprevisíveis para as empresas que sustentam a Fórmula 1. Isso é não só compreensível como necessário. Imagine, por exemplo, um piloto entrando numa discussão sobre as razões de judeus e árabes no conflito.

Mas temas que não sejam tão delicados, que até extrapolem os limites do autódromo, é preciso entender que o público da Fórmula 1 deseja saber o que seus heróis pensam. E um jovem que nem se atém ao evento, e como tem crescido esse universo, pode até passar a ver a Fórmula 1 com bons olhos porque um piloto afirmou algo que goste, simpatize, defende. E se for o contrário também não é nocivo à Fórmula 1.

O assunto merece bem mais que essa abordagem simples. Acredito que vamos voltar a discuti-lo mais tarde. Estou contente por os homens que pensam o show finalmente estarem se conscientizando da necessidade de seus atores demonstrarem que são, antes de mais nada, HUMANOS!

Abraços!