Sem rádio, a F1 exigirá mais dos pilotos. Ótimo, podemos ter surpresas!
Livio Oricchio
11/IX/14
Nice, França
No GP da Bélgica, dia 24 do mês passado, o grupo de jornalistas que em geral senta próximo na sala de imprensa ria cada vez que ouvia um piloto fazer à equipe, através do rádio, a mesma pergunta: ''E agora, o que eu faço?''
A interferência dos técnicos das escuderias, nos boxes ou na mureta dos boxes, realmente excedeu todos os limites de tolerância possíveis. Transformaram o piloto no executor de suas ordens. Tiraram, sim, importância do piloto no resultado de seja lá o que for, treino livre, classificação ou corrida.
Isso não quer dizer, por favor, que um piloto limitado, mas com um retaguarda eficiente, seja capaz de vencer um GP. Mas ajuda. Tenha a certeza de que há muito piloto hoje em atividade que se educou a simplesmente seguir a orientação dos engenheiros, daí a pergunta mais frequente nas corridas ser essa: ''E agora, o que eu faço?''
Quantas vezes não ouvimos, em especial este ano, com a introdução do complexo regulamento: ''Altere a mistura para mix 4, distribua a carga do freio mais para trás, não esqueça de observar a temperatura dos freios durante a volta de alinhamento, confirme o estágio da embreagem, mude o mapa do motor para a posição 5, você tem de reduzir seu consumo de combustível nas próximas 6 voltas, ou não há restrição de consumo, pode acelerar.
Ainda: para nossa estratégia dar certo, ultrapassarmos determinado piloto, você precisa abrir 4 segundos e meio e dez voltas, como estão seus pneus traseiros, suportam mais 8 voltas, para redefinirmos a estratégia?
Eu, os italianos Alberto Antonini e Roberto Chinchero, da Autosprint, o português Luis Vasconcelos, da Fórmula Press, o suíço Mattias Brunner, da SpeedWeek, o alemão Michael Schimidt, da Auto Motor und Sport temos o mesmo ponto de vista: não tem sentido o piloto apenas reagir aos pedidos do time. Por isso dávamos risada.
Sem saudosismo, mas não dá sequer para imaginar ouvir pilotos como Jackie Stewart, Niki Lauda, Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet, Ayrton Senna, dentre outros, perguntando ao time o que devem fazer na pista. ''O problema é seu, faz parte do desafio e trate de responder com eficiência'' é possível afirmarmos que era assim que reagiriam. Sem medo de errar.
Domingo de manhã, em Monza, tentei falar com Alain Prost por desejar conversar com seu filho, Nicolas Prost, que vai disputar a Fórmula E, sábado, em Pequim, primeira corrida da categoria. Preparei um material especial para o UOL Esporte. E enquanto o aguardava, o ouvi comentar exatamente sobre essa questão do relacionamento do piloto, hoje, com a equipe.
Ele dizia na entrevista aos ingleses ser contra o supermonitoramento do carro por sensores de tudo e o piloto poder saber, através da equipe, em tempo real, o estágio de cada um dos sistemas acompanhados pelos técnicos.
''Nós é que tínhamos de verificar tudo isso. Estão interferindo na capacidade de o piloto demonstrar sua verdadeira capacidade. Faz parte dos desafios compreender como o carro está funcionando, como reagir diante de cada situação, e não receber tudo pronto dos engenheiros'', disse o francês, quatro vezes campeão do mundo, hoje embaixador da Renault.
Havia um zum zum zum já no Circuito Spa-Francorchamps que a FIA estudava restringir o diálogo entre o piloto e a equipe para diminuir sua dependência dos técnicos para tudo. E em Monza, no último fim de semana, o tema ganhou ainda mais força.
Mas confesso que não pensei fosse tomada nenhuma medida radical, do tipo proibir ainda este ano. Os representantes da equipes iriam discutir a questão, deixar claro o que seria permitido e proibido e, na próxima temporada, estaria valendo.
Passei o dia fora de Nice, hoje, quinta-feira. Ao entrar em casa, no início da noite, abri o site da Autosport inglesa e vi que a restrição do uso do rádio na Fórmula 1 tem efeito imediato, vale já para a próxima etapa do calendário, 14.ª, o GP de Cingapura, dia 21.
A simbiose entre o piloto e sua equipe é tão grande, este ano, que algumas delas reduziram sensivelmente as dimensões do painel no volante do carro. O piloto não precisa mais acompanhar tudo. Boa parte das muitas funções monitoradas era expostas no painel.
Sem essa necessidade, por o grupo de apoio controlá-las e depois repassar ao piloto o que fazer, os times diminuíram os painéis, a fim de fazer com que o piloto se limite à condução. Não deixa de ser uma forma de tentar que produza mais, pois concentra sua atenção quase que apenas na pilotagem.
Pois a partir do primeiro treino livre no Circuito Marina Bay, em Cingapura, essa história acabou. O artigo 20, parágrafo 1, do Código Esportivo da FIA será, agora, observado. Ele diz: ''O piloto deve conduzir o carro sozinho e sem ajuda''.
É uma benção para a Fórmula 1!
Todos os exemplos acima mencionados de intervenção dos engenheiros na condução do piloto estão proibidos. Vale, agora, apenas chamá-lo para os boxes, orientar sobre um carro mais lento na pista, razões de segurança, eventualmente avisá-lo que deve deixar o companheiro ultrapassá-lo, pelos mais variados motivos, ou ainda que há tráfego à frente.
Quais as consequências práticas dessa medida?
Os pilotos que se interessam pelas questões técnicas, os que sabem o que estão fazendo, sabem interpretar o significado da orientação da equipe tendem a levar vantagem com a nova realidade da Fórmula 1. Em outras palavras, pilotos inteligentes serão privilegiados.
Mas não creio que a nossa leitura deva ser assim, tão linear, e pilotos como Fernando Alonso, Sebastian Vettel, Nico Rosberg, Valtteri Bottas, Jenson Button, Nico Hulkenberg vão já a partir da prova de Cingapura passar a andar mais na frente do que vinham fazendo.
Penso, contudo, que haverá momentos em que essa questão ficará evidente e pilotos mais integrados vão se dar melhor. Poderemos, sim, ter algumas surpresas, como pilotos sem saber explorar o real potencial do seu equipamento. E outros desfrutando-o melhor. Tudo isso com reflexo no resultado da competição.
Podemos imaginar, também, que haverá uma corrida de parte dos pilotos para estudar, agora, em detalhes, o complexo universo técnico que os cerca. Entender melhor as muitas funções que permitem interatividade através dos comandos no volante-painel.
Faz todo sentido, ainda, acreditarmos que cada equipe desenvolverá seus códigos de comunicação, ao menos para as funções mais importantes, como uso da unidade motriz, o motor turbo e os dois sistemas de recuperação de energia, e ainda o consumo de combustível, por exemplo. Ouviremos coisas incompreensíveis.
A FIA registra todas as conversas entre as equipes e seus pilotos. Portanto, os 22 pilotos vão estar sendo monitorados em tempo integral. Poderemos assistir a punições. Confesso não saber quais são.
Em resumo, amigo, sou amplamente a favor de acabar com essa história de o piloto ter atrás de si várias mentes brilhantes lhe dizendo o que fazer, onde fazer, quando fazer e como fazer. A FIA elevou o processo seletivo. Ótimo para a Fórmula 1!
Abraços!